RIO - A garotada de 18 a 30 anos está com o rosto coberto por purpurina, e o chão do La Cueva, a boate gay mais antiga do Rio, fundada em 1964, parece feito de puro glitter. Há brilho por toda a parte, em maquiagens que lembram os assistentes de palco do “Qual é a música”, e todos usam uma pulseira rosa com a inscrição “V de Viadão” nos pulsos, enquanto os DJs tocam Beyoncé no último volume. Na porta, um cartaz, com uma cabeça de veado tridimensional acoplada, avisa: uma quinta-feira por mês, o La Cueva se transforma na “Igreja Universal do Reino de Bey”, terra da V de Viadão, a festa que é também um movimento político e foi criada pelo designer Eduardo Castelo, 27 anos, como uma forma de quebrar preconceitos dentro da própria comunidade gay.
— Nos apropriamos deste xingamento, viadão, com muito bom humor. Sou viadão sim, e daí? Também é uma forma de criticar os nichos e os subgrupos dentro da comunidade gay, que gosta de se dividir em sarados, barbies, ursos e queers — conta Castelo. — Fazemos também uma gozação com os estereótipos masculinos que costumam acompanhar as festas gays. Na V de Viadão, o nosso viado-símbolo tem cabeça de animal, é meio besta, meio bicho, e também incorpora elementos femininos, como a cinta-liga e o salto-alto.
A festa é uma reação à heteronormatividade que impera nos aplicativos de pegação gay, como Grindr, Hornet e Scruff, e à verdadeira ditadura rosa que tenta impor valores como discrição, além de semelhança visual e no jeito de se vestir aos héteros. Esse comportamento explodiu nas últimas semanas com a veiculação da nova categoria g0y, a dos homens que fazem sexo com homens, mas que não querem se assumir gays, por não se identificarem com os valores da comunidade ou simplesmente pela comodidade de se manterem escondidos em seus armários.
— Os g0ys abraçam essas causas de opressão, machistas, e não são capazes de reconhecer toda a história de luta por direitos humanos da comunidade LGBT — diz o produtor.
Afeminado com orgulho
A modalidade não é exatamente uma novidade na comunidade gay. Nos anos 1990, falava-se no pós-gay, uma espécie de movimento de homens que se orgulhavam de não parecerem gays e que ganhou repercussão no mundo clubber carioca, em clubes como a Bunker. Diferentemente dos g0ys, os pós-gays se admitiam gays, apesar do esforço em se parecerem com os héteros.
Para reagir a isso tudo, o publicitário e produtor cultural Thomas Saunders, de Fortaleza, criou a página “Sou/curto afeminados”, no Facebook, ao lado do DJ e produtor cearense Adrian Brasil. Em formato colaborativo, ela aceita fotos de rapazes de todo o Brasil que não têm medo de se assumirem como são.
— Terminei um namoro de um ano e meio e voltei pra pista. Depois de encontrar vários caras que não queriam nem conversa comigo, afeminado, resolvi postar um desabafo no meu Facebook, dizendo “sou afeminado sim, mas, além de tudo, sou humano” — conta Saunders.
A postagem rendeu. Em menos de um mês, a página já recebeu mais de 200 fotos de garotos com a frase “Sou/curto afeminados” postadas, em uma atitude que, há alguns anos, encontraria pouca repercussão no meio. A turma nova, ao que parece, tem coragem.
— Não adianta a comunidade gay lutar por direitos se não respeita a si mesma. A preocupação de apontar o outro e não vê-lo como semelhante é uma questão moral. Todo mundo é igual e tem que ser respeitado — diz Brasil.
No mesmo clima, o canal de humor gay Põe na Roda veiculou um vídeo no YouTube justamente para questionar todos os estereótipos vinculados à comunidade gay, por meio de depoimentos de pessoas que mostram a diversidade dentro da diversidade e questionam pequenos tabus. Segundo o vídeo, nem todo gay fala miando, tira a camisa nas festas, só escuta Lady Gaga, faz chapinha, só tem amigos gays, sabe fazer coreografias e não constrói família. Tem pra todos os gostos.
Pra quem quiser refletir sobre a questão dançando, a próxima V de Viadão acontece quinta que vem, no La Cueva, com o tema Glitterdisco. “Além do brilho, vamos baixar o espírito de Júlia de ‘Dancin’ Days’ e lacrar a discoteca”, avisa, bem-humorado, o evento no Facebook.