RIO - Há 450 anos, em 23 de abril de 1564, nascia William Shakespeare. De sua pena saíram quase 40 peças, mais de 150 sonetos, dois poemas narrativos. Transformou-se no mais influente dramaturgo do mundo. Suas histórias foram levadas para a ópera, para o balé, para o cinema e ainda hoje, alimentam milhares de teses acadêmicas, e títulos literários. Seu aniversário será celebrado pelos quatro cantos da Terra. Na Stratford-upon- Avon natal, planeja-se algo maior do que a já tradicional parada de aniversário. A cidade abrigará um fim de semana (dias 26 e 27 de abril) com atividades que vão de procissão a espetáculo da Royal Shakespeare Company e queima de fogos. Em Londres, o Shakespeare's Globe Theater vai abrir as portas para programação gratuita e inicia neste mês a empreitada de dar uma volta completa no globo terrestre, encenando "Hamlet" até abril de 2016, quando se completam os 400 anos da morte do dramaturgo.
Por aqui, a agenda do ano Shakespeare começou com a presença da Royal Shakespeare Company no Festival de Curitiba e a exibição de " A violação de Lucrécia", espetáculo apresentado também em São Paulo. Integrantes da companhia inglesa, que perpetuam o legado do Bardo, participaram do "Fórum Shakespeare", evento em torno da obra do dramaturgo que acabou de deixar o CCBB Rio rumo a outras três capitais do país. O Brasil vai receber também a versão do alemão Berliner Ensemble para "Hamlet", no FIT, o Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte, e tem outros títulos, como "Timão de Atenas", adaptação para a aclamada montagem do National Theatre, dirigida por Bruce Gomlevsky, prestes a subir ao tablado.
Publicações sobre o assunto ganham as livrarias. Entre elas está "Romance com pessoas – A imaginação em Machado de Assis", do pernambucano José Luiz Passos, vencedor do Prêmio Portugal Telecom de 2013. O título, originalmente publicado em 2007, ganhou edição revista e ampliada (Editora Objetiva) e assinala a importância de Shakespeare na literatura machadiana. Traz, inclusive, um levantamento das citações aos escritos do Bardo feitas pelo autor brasileiro.
- Machado se interessou pela história de heróis e heroínas que se encontravam em uma situação de uma aparente majestosa fragilidade: protagonistas cuja ideia de si transforma-se radicalmente quando mergulham no poço das suas imaginações. Em momentos centrais de todos os seu romances ele sugere essa afiliação - explica Passos.
Planejado para chegar às estantes em agosto, "Todas as peças de Shakespeare - O essencial para conhecer e amar a obra do maior dramaturgo de todos os tempos" (Edições de Janeiro), da crítica de teatro Barbara Heliodora, refer|ência na matéria no Brasil, convida o leitor a tomar um primeiro contato com a criação shakespeariana. Para ela, que espera ver ainda dois outros livros seus chegarem ao público neste ano - um sobre o aparecimento do teatro elisabetano, pela editora Pespectiva, e o volume das peças históricas de Shakespeare, pela Nova Aguilar - acredita que o fascínio de Shakespeare se perpetua pelas suas qualidades de dramaturgo.
- Ele foi capaz de criar um teatro que continua válido, porque continua humano. E amplitude de seu horizonte é muito vasta. O Guilherme era muito bom.
Fiel observadora da produção teatral no Brasil, Barbara pensa que o teatro brasileiro ganhou ao tratar a obra de Shakespeare com menos reverência.
- Foi esquecido aqui que Shakespeare era um autor popular. A sensação de que ele era inalcançável, sacrossanto, desapareceu nos últimos anos. Muito bom. Shakespeare não tem que ser lido de joelhos.
Com ela, concorda o crítico de teatro do GLOBO, Macksen Luiz.
- Há 15 anos se pensava em montar Shakespeare como quem rende uma homenagem. Isso mudou. Ainda bem. è preciso lembrar que, em sua origem, Shakespeare tinha uma relação viva com a plateia.
Mas perder a reverência não é siônimo de invencionices. Há que perder a cerimônia mas sem perder o respeito ao texto e à essência da peça. Para ilustrar o que diz, Barbara conta uma história:
- Quando Gielgud esteve aqui (o ator e diretor inglês John Gielgud, considerado um dos grandes intérpretes de Shakespeare) levei-o ao ensaio de um espetáculo de um grupo. Ao final, os atores ansiosos, queriam saber a opinião dele sobre a concepção do espetáculo. Gielgud disse: "Se vocês não gostavam da peça, por que decidiram montá-la?"
Em um mundo que segue em um ritmo frenético, passar de três a quatro horas em um teatro, pode ser um fator impeditivo. |Sem considerar a necessidade de gordos orçamentos para manter em cena elencos numerosos. São muitos os desafios para contar Shakespeare. Como enumera o Diretor teatral e preparador associado da Royal Shakespeare Company, Michael Corbidge, que está no Brasil para o "Fórum Shakespeare": - É preciso pensar em muitas coisas quando se vai apresentar uma peça de três ou quatro horas de duração que vão de um público acostumado com os cortes rápidos da TV e do cinema até horários de ônibus ou trens.
Corbridge, que acompanha os atores na parte vocal, para que as palavras ganhem clareza e verdade, diz que, quando necessário, o texto deve ser cortado.
- A Royal Shakespeare Company tem um departamento literário que estuda isso. São longas discussões. E decidem onde e quanto cortar. Não se pode perder o sentido da trama. Cortar um texto de Shakespeare é como cortar uma rosa. Tem que ter cuidado.
Ron Daniels, diretor que contabiliza "umas seis ou sete" montagens de "Hamlet" no currículo, duas delas erguidas na Royal Shakespeare Company, e cerca de 30 títulos do Bardo ao longo da carreira, é categórico:
- Não tenho problema em cortar. É claro que o texto tem de ser respeitado, mas deve ser dito com naturalidade. Não é para se ficar mistificando. O importante é preservar o essencial.
As traduções, observa Daniels, também tem de ter qualidade.
- Quando o texto é bem traduzido, o ator é bom. Não vai nem se perceber se ele fala em verso ou prosa.
Miguel Falabella, que atuou na antológica montagem de "A Tempestade", do grupo Pessoal do Despertar, que ocupou a mansão do Parque Lage na década de 1980, acha que falta esta naturalidade a muitas das versões em português.
- Uma coisa é ler o texto. Outra é ele poder ser natural quando dito. Boa parte das traduções não tem embocadura ( em linguajar técnico de teatro, ser fácil de pronunciar).
Ele sonha montar "Muito barulho por nada", mas diz que não levou adiante o projeto porque esbarra nas traduções.
- Ainda não encontrei uma que eu ache engraçada.
Pelo que aponta a nossa relação com Shakespeare, caminhamos para a boa perda de reverência. E sonhar é permitido. Como disse Shakespeare, "nós somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos".
O que vem por aí
Até o fim do ano, uma série de encenações para textos de Shakespeare chegará aos palcos do país. Na próxima terça-feira, o grupo Clowns de Shakespeare e o diretor Gabriel Vilella abrem, no Rio, a 3ª edição do festival Cena Brasil Internacional com “Sua incelença, Ricardo III”, na Praça dos Correios, às 20h. Também em cartaz está a versão solo para “Ricardo III” com o ator Gustavo Gasparani, no Planetário. Para o mês que vem a expectativa é pela chegada da companhia alemã Berliner Ensemble, que estreia “Hamlet” no Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte, no dia 17 de maio. No segundo semestre, o Grupo Nós do Morro estreia “A megera domada”, com direção de Fernando Mello da Costa, enquanto Bruce Gomlevsky assina a direção de “Timão de Atenas”, e Emanuel Aragão e os Irmãos Guimarães constroem “FotoHamlet”. São Paulo irá receber quatro novas obras do “Shakespeare — Projeto 39”, que tem como objetivo encenar as 39 peças de Shakespeare nos próximos dez anos. Em 2014 estreiam “Os dois cavalheiros de Verona”, com direção de Kleber Montanheiro, “Romeu e Julieta”, dirigida por Vladimir Capella, “Tróilo e Créssida”, assinada por Jô Soares e “As alegres comadres de Windsor”, por Cacá Rosset.