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Ícone do teatro paulista, Miriam Mehler volta a atuar no Rio após 15 anos

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RIO - Recém-formada na Escola de Arte Dramática (EAD) de São Paulo, Miriam Mehler tinha 22 anos e não saía de casa sem um documento específico: uma carteirinha cor de rosa de “profissional das diversões públicas”, lembra. O documento assegurava o trabalho da atriz iniciante e de uma série de outras atividades não reguladas:

— Como as prostitutas — diz. — A Fernanda (Montenegro) e a Nathalia (Timberg) também passaram por isso.

Sentada no café da Casa de Cultura Laura Alvim, onde encena o primeiro solo da sua carreira, “Oscar e a Sra. Rosa”, Miriam é um ícone do teatro paulista — menos conhecida no Rio, ela retorna após 15 anos, desde “Mary Stuart” (1997), sob a direção de Gabriel Villela. Completando 55 anos de atividade, ela é também uma das mais versáteis atrizes do país, tendo no currículo passagens por montagens consagradas de grupos como Arena, Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e Oficina e também dos mais importantes realizadores dos anos 1950, 60 e 70, como Antunes Filho, Flávio Rangel, José Renato, Ademar Guerra e Emilio di Biase. Agora é Tadeu Aguiar quem a guia num texto de Éric-Emmanuel Schmitt. No solo, Miriam se divide entre dez personagens, entre eles um garoto de 10 anos diagnosticado com uma doença terminal e uma senhora que o acompanha e o faz acreditar que, em apenas 12 dias, ele pode viver as emoções de uma vida inteira.

— O texto nos mostra o quanto a nossa imaginação pode transformar as coisas. Foi um presente do Tadeu — diz.

E o diretor explica o porquê de ter escolhido Miriam:

— Ela sempre fez os mais diversos estilos. Trabalhou com diretores de pesquisa e no melhor do comercial. É uma atriz disposta a arriscar. Não tive medo de dirigi-la porque sabia que ela se entregaria de corpo e alma. Sou diretor há pouco tempo, é a minha quarta peça, enquanto ela tem uma experiência de mais de 50 anos.

Mas até o teatro lhe abrir as portas não foi fácil. Nascida em Barcelona e radicada no Brasil desde os 3 anos, ainda cedo era levada pelos pais a sessões de óperas e peças, mas quando decidiu, aos 16, que gostaria de deixar a plateia, a relação dos pais com as artes cênicas mudou de figura.

— “Filha minha, não!”, dizia o meu pai — conta a atriz.

Como muitos de sua geração, o curso de Direito era a senha que lhe permitia dedicar as horas vagas ao teatro.

— Quando larguei o Direito e fiquei só na EAD foi um escândalo: “Eu não sustento vagabunda”, ele disse.

Mas em 1958, após a aprovação nos exames finais da EAD, a coisa não tinha volta.

— Todos os principais diretores iam assistir aos formandos. Saí de lá disputada e já empregada — conta. — O TBC estava de olho, o Sérgio Cardoso também, mas o que aceitei, para desgosto do meu pai, foi o convite do Arena. Ele dizia: “Se vai fazer teatro, faça os grandes.” Quando o Guarnieri e o José Renato me convidaram eu já os conhecia e gostava deles.

“Eles não usam black-tie” (1958) determinou uma virada na linguagem do grupo.

— A peça ia levar o Arena ao topo ou à falência — conta.

Abalado por crises financeiras e ideológicas, o grupo foi salvo pelo sucesso da peça, que marcou uma abertura da dramaturgia nacional, com foco na interpretação realista e uma estética impregnada de engajamento político e social.

— Era uma peça com linguajar de morro, quando se faziam vaudevilles ou tragédias — diz Miriam. — “Eles não usam black-tie” inaugurou esse viés político. Então eu tive de me adaptar, porque vinha da EAD, do palco italiano, de estudos mais clássicos.

O passo seguinte determinaria a dinâmica de alternâncias de propostas cênicas que Miriam adotaria na carreira. Convidada pelo TBC, ela integrou o elenco de “Um panorama visto da ponte”, dirigida por Alberto D’Aversa, e logo depois atuou em “A lição”, de Eugène Ionesco, sob a direção de Luís de Lima. E, após estrear suas primeiras parcerias com Antunes Filho (“As feiticeiras de Salém”, de Arthur Miller, em 1960) e Flávio Rangel (“A escada”, em 1962), ela integrou o Oficina em 1963, onde faria clássicos como “Pequenos burgueses”, de Máximo Gorki, e “Andorra”, de Max Frisch.

Um paiol sempre aceso

Entre 1969 e 1979, Miriam esteve à frente do seu próprio teatro, o Paiol, onde enfrentou a ditadura para estrear “Bonitinha, mas ordinária”, de Nelson Rodrigues, em montagem de Antunes. E até hoje continua assim, maleável e altiva, segura de que o caminho a seguir é não saber o que vem à frente.

— Eu me atiro e confio. Quando um diretor traz uma linguagem, eu me integro a ela. Quando a proposta é diferente, eu tento ser diferente — diz. — Isso é o que eu tenho de maleabilidade, apesar de achar que essa é uma condição da atriz. Eu sou assim, e é isso que me permite estar sempre redescobrindo o teatro. A minha premissa é partir de um ponto em que eu não saiba nada. Porque é isso que sempre me dá a chance de aprender o novo.


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