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Os bastidores da seleção para ‘Essas associações’, de Tino Sehgal

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O e-mail convidando os interessados em fazer o teste avisava: não toleramos atrasos. Enquanto aguardava sentada na escada em frente ao CCBB, vi de longe um jovem de seus 20 anos. Ele carregava um bambolê enorme e uma máscara carnavalesca pendurados no braço. Quando pontualmente as portas se abriram às 9h, nós dois nos dirigimos à rotunda, onde uma produtora da exposição aguardava o restante das pessoas.

Poucos minutos depois, chegavam outros participantes e uma tradutora. Nos instalamos em uma das enormes salas de ensaio do CCBB, formando um círculo com as cadeiras. “Para ficarmos mais íntimos”, disse o simpático Assad Raza, produtor e braço-direito de Tino Sehgal, vindo diretamente de Nova York para os testes. Ele falou brevemente sobre o conceito da obra, realizada somente uma vez ao longo da carreira do artista (na Tate Modern, em 2012), e pediu para cada um explicar por que estava ali.

Ao longo daquela semana, foram realizados em torno de 15 encontros para uma primeira seleção de interessados em participar do trabalho. No meu grupo havia cerca de dez pessoas completamente diferentes: o rapaz do bambolê, que trabalhava produzindo e consertando brinquedos antigos, alguns atores, uma atriz que fazia bicos como palhaça, dançarinos profissionais, coreógrafos de carnaval, uma bióloga mãe de família, uma socióloga e eu, jornalista em início de profissão.

A minha missão era secreta, afinal, era sabido que Tino é avesso a entrevistas e proibiu o acesso da imprensa aos testes. Ao lado de uma tradutora, Assad repetiu algumas vezes que não estava à procura de atores profissionais, mas de pessoas que tivessem boas histórias para contar. Quando começamos a nos apresentar, o teste pareceu virar uma audição para um espetáculo um tanto quanto peculiar.

O produtor tentava extrair o “talento escondido” de cada um. “Você é dançarino, então dança pra gente”, pedia. E, então, sem o mínimo de vergonha, um dos participantes fez uma performance imitando o Zorro no meio das cadeiras. A atriz-palhaça mostrou um pouco do que costuma fazer no palco, a bióloga contou uma história e terminou aos prantos, o jovem do bambolê rodopiou com o acessório para todo mundo ver, e eu, que não tinha nenhum dom específico na manga nem nada para o momento, respondi timidamente algumas perguntas sobre o meu interesse por artes plásticas — já sentindo que a possibilidade de passar naquele teste tendia a zero.

Passada a rodada inicial, Assad tentou explicar que um dos objetivos da mostra no CCBB seria explorar o coletivo dentro da individualidade exacerbada em que vivemos hoje em dia. Ele pediu, então, que tentássemos lembrar do momento em que nos sentimos parte de um universo maior ao longo da. Fazia parte do teste, também, a capacidade de contar uma história sucinta com começo, meio e fim.

A socióloga lembrou uma noite que passou em claro olhando para o céu estrelado. A bióloga citou suas brincadeiras com crianças em orfanatos. O coreógrafo contou que dava aulas de catequese para adolescentes. De novo, me senti um peixe fora d’água. Pega de surpresa, eu só consegui me lembrar de quando atuei numa peça de teatro e me senti parte de um grupo no dia da estreia, depois de meses de ensaio.

Saí do CCBB já meio desanimada e, depois de 15 dias sem ouvir falar dos produtores, mandei um e-mail perguntando o resultado. Obtive a seguinte resposta:

“Bianca,

Infelizmente você não foi aceita.

Agradecemos a presença na seleção do projeto do TINO SEHGAL “Essas Associações”, mas infelizmente, não deu para selecionar você. Tivemos muitos inscritos. Entramos em contato para os próximos projetos.

Muito obrigada!

Que 2014 seja muito bacana para todos nós!”


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