RIO - Todo mundo conhece o desfecho de “Mitt”, documentário do diretor Greg Whiteley que estreou exclusivamente na Netflix há uma semana. No fim, o republicano Mitt Romney volta para casa, derrotado pelo democrata Barack Obama na campanha presidencial americana de 2012. Na verdade, o filme mostra como Romney perdeu duas vezes: antes, ele já havia tentado ser candidato à presidência, mas John McCain ficou em primeiro lugar nas primárias republicanas para as eleições de 2008.
Mas o que muita gente ainda não conhece é um lado mais doce, às vezes até simpático, de um candidato que ficou famoso no mundo inteiro pela postura agressiva nos debates contra Obama e também pelo jeito sisudo, formal e tecnocrata.
— É curioso, porque muita gente está me dizendo que meu material transforma o Romney num político mais humano. Mas preciso dizer que nunca foi minha intenção. Eu simplesmente filmei o que estava acontecendo, da maneira mais autêntica possível. Se o documentário é ou não favorável a ele, eu garanto que não tive essa preocupação — diz Whiteley, em entrevista por telefone. — Mas a imagem que eu formei sobre Mitt Romney é de um indivíduo extremamente bondoso. Fiquei bastante impressionado pela forma como ele se mantém próximo da família, ele é afetuoso demais com os filhos e a mulher. É um tipo de amor que não dá para fantasiar para a câmera.
“Mitt” é um exemplo de cinema direto, estilo de documentário que procura evitar qualquer interferência aparente dos cineastas nas cenas, sem entrevistas e com longos planos que permitem a observação dos acontecimentos. Coincidentemente, um dos documentários mais populares do gênero é “Primárias” (1960), de Robert Drew, também um filme sobre campanha — no caso, a dos então postulantes à vaga democrata para a presidência americana John F. Kennedy e Hubert Humphrey, durante a primária de Wisconsin. Outro filme que segue o gênero é o brasileiro “Entreatos” (2004), de João Moreira Salles, sobre a campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.
No caso de “Mitt”, Whiteley começou a acompanhar a rotina de Romney no fim de 2006, ainda antes de ele oficializar sua candidatura, quando se despedia do governo de Massachusetts. Logo no início do documentário, uma sequência deixa claro o quanto a projeção nacional de Romney ainda era baixa: a família do personagem entra numa lanchonete em Carolina do Sul, e alguém pergunta para os outros clientes se eles sabem que ali está um candidato à presidência. Ninguém sabia.
— Eu sou mórmon como Mitt Romney e acho que foi por isso que me interessei por sua história — explica Whiteley. — Não sabia se ele seria um bom candidato ou um bom personagem, nem se ganharia as primárias, mas achei que poderia ser relevante para mim, pessoalmente, acompanhar sua candidatura.
Só que o diretor não acompanhou apenas uma candidatura, mas duas. Romney chegou a liderar as pesquisas das primárias republicanas de 2008, mas acabou derrotado — no filme, ele próprio diz: “Seis meses atrás, nós dávamos risadas de John McCain, e agora ele está liderando a campanha”. Em outro diálogo, a forma mais dura com que Romney lidava com a campanha ficou clara depois que um integrante de sua equipe sugeriu que ele deveria maneirar num debate entre os pré-candidatos republicanos. “As pessoas aqui estão concorrendo ao mesmo emprego, não estão conversando na sala de jantar”, rebateu.
Diretor não revela voto
Já com esse material, a ideia de Whiteley, então, era lançar logo o filme contando como foi a primeira derrota de seu personagem. Mas aí um de seus filhos apareceu com um aviso.
— Ele disse que não estava terminado, que seu pai iria concorrer mais uma vez quatro anos depois — lembra o diretor. — E eu tinha feito um acordo com Romney antes de começar a filmar, de que não divulgaria nenhuma cena do documentário enquanto ele ainda fosse candidato a presidente. Só me restou esperar. E continuar filmando.
Apesar de adiar os planos de lançar o filme, Whiteley ao menos deu sorte, porque Romney ganhou as primárias de 2012 e foi o indicado do Partido Republicano para impedir a reeleição de Barack Obama. Os bastidores dos debates entre os candidatos estão entre as cenas mais reveladoras do filme, com a família comemorando o resultado no primeiro encontro e lamentando o segundo.
— A equipe da campanha volta e meia se recusava a aparecer no filme, e isso me forçou a focar exclusivamente na família. E com a família eu tive total acesso, em momento algum eles me pediram para deixar de filmar ou para não mostrar alguma cena — explica Whiteley, antes de se negar a revelar uma única informação acerca de sua relação com Romney. — Não, eu não digo em quem eu votei. Não é relevante para a história.