RIO — Um batalhão de fotógrafos aguardava, no aeroporto, a chegada dos rappers Pacman, de 19 anos, e Peso, de 20. Eles são de Washington, nunca lançaram um álbum e até pouco tempo atrás eram nomes praticamente desconhecidos na indústria da música. Mas o interesse dos jornalistas tinha justificativa. A dupla estava prestes a fazer história: desembarcaria na Coreia do Norte para gravar um clipe.
Era fim de novembro, um mês antes de o governo totalitarista anunciar a execução de Jan Song-thaek, acusado de traição e corrupção, e classificado pelo sobrinho e ditador Kim Jong-un como “escória”. O regime norte-coreano é conhecido por restringir a liberdade da população e a atuação da mídia. A missão de Pacman e Peso, diziam, era suicida. Mas eles conseguiram. Voltaram para casa e liberaram na internet, no dia do aniversário de Kim Jong-un, o primeiro vídeo musical de hip-hop rodado no país (assista aqui).
— Não sabíamos muita coisa sobre a Coreia do Norte. Para a gente, era só mais um lugar. Não percebemos o hype por trás da situação até as pessoas descobrirem aonde iríamos. Começaram a nos dizer várias coisas doidas, que seríamos presos, que não voltaríamos. Mas tudo isso só nos deu mais vontade de ir — conta Pacman, cujo nome verdadeiro é Anthony Bobb.
Eles não falam em promoção como elemento motivador para a viagem, mas, desde então, já ganharam destaque em grandes veículos, como o americano “Washington Post” e o inglês “The Guardian”. Chovem pedidos de entrevistas.
— Um monte de gente amou o vídeo. Querem saber o que faremos agora. Tudo isso é um incentivo para continuarmos o que fazemos — comemora Peso (ou Dontray Ennis).
Para bancar a viagem, os rappers recorreram à ajuda do público. Pediram US$ 10,4 mil em um site de crowdfunding, no fim de agosto. A campanha se tornou viral, e eles arrecadaram a quantia em 30 dias. Mas, antes, foi preciso lidar com burocracias. O catalisador da viagem foi o banqueiro Ramsey Aburdene, que no começo de 2013 se tornou empresário dos músicos e os convidou para o selo que criou, o FHTMG. Graças à amizade de Aburdene com Mike Bassett, um especialista em Coreia do Norte e ex-veterano de guerra no Iraque, a entrada do grupo em Pyongyang foi possível. Foi Bassett quem encorajou o empresário a ir para lá. Surgiu, então, a ideia do vídeo.
No caminho, China e Mongólia
Gravado na capital norte-coreana e em seus entornos, “Escape to North Korea” mostra Pacman e Peso entoando versos sob cartazes de Kim Jong-un e de seu pai, Kim Jong-il, em praças e transportes públicos, ao lado de monumentos, no meio da rua e até em uma escola. As gravações podem ter sido discretas — a equipe de cinco pessoas usou uma câmera pequena —, mas nada foi feito às escondidas. Não houve resistência por parte das autoridades.
— Elas sabiam que estávamos filmando. Tivemos uma reunião no primeiro dia. Os norte-coreanos ficaram interessados no que estávamos fazendo. Pediram para que cantássemos rap para eles e fizeram várias perguntas sobre esse tipo de música. As pessoas acenavam para a gente, até tiramos fotos com elas — lembra Pacman.
— No fim, a gente conseguiu capturar várias cenas boas, e sequer fomos obrigados a mostrar o material para alguém — diz Peso. — Muita gente esnobou a ideia. É muito bom provar que esses opositores estavam errados.
De volta aos Estados Unidos, Pacman compartilha suas impressões gerais sobre o país:
— É diferente, mas não de uma maneira ruim. A ideia que os americanos têm sobre o lugar não é a história real. Os norte-coreanos o tratam bem quando descobrem que você é americano. Acho que as pessoas deveriam ir para lá. Elas vão se surpreender.
Foi “Escape to North Korea” (já disponível no iTunes brasileiro) que colocou Pacman e Peso sob os holofotes, mas eles também lançaram, em 7 de janeiro, “Coming soon” (em breve, em português), uma mixtape com 21 faixas que tem esse nome porque é “uma pequena prévia do que vem por aí”, de acordo com Peso. A dupla agora finaliza a segunda compilação, “Like a movie”, e planeja divulgar, a partir desta semana, dois clipes rodados na Mongólia e em Pequim, por onde passou antes de pousar em Pyongyang.
— Faço rap desde que comecei a falar — conta Peso, que cita Lil Boosie como sua maior influência (“Sempre senti que ele fala diretamente para mim”). — Eu me apresentava para minha família e meus amigos quando era criança. Entrei no JobCorps (programa de educação e treinamento técnico para jovens carentes) e parei com a carreira. Voltei quando me envolvi com a FHTMG e conheci Pacman, por meio da minha ex-namorada. Um dia começamos a fazer rap nas ruas. Foi então que viramos um duo.
Pacman, que busca inspiração em Wiz Khalifa, Nas e Lupe Fiasco, também começou cedo. Foi no colégio que passou a levar música a sério.
— Mas nada chegou a funcionar direito — diz. — Até agora.