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Valesca Popozuda: 'Agora virei diva'

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RIO - Na madrugada do último dia 27 de dezembro, “Beijinho no ombro”, o primeiro clipe de Valesca Popozuda, foi lançado no canal oficial da funkeira no YouTube. Já passava das três da manhã, a cantora requebrava seus 1.100ml de silicone no palco do Clube Monte Líbano, na Lagoa, quando seu empresário resolveu compartilhar na web, de surpresa, o vídeo com ares de megaprodução — foram gastos R$ 437 mil — e estética, digamos, questionável. No filme de quatro minutos, Valesca incorpora quatro rainhas ostentando mangas bufantes, bordados com fios de ouro e botas Versace. O Castelo de Itaipava, na Região Serrana do Rio, é o primeiro cenário. Ela circula pelo palacete e canta “Desejo a todas inimigas vida longa/Pra que elas vejam cada dia mais nossa vitória”. Bailarinos a acompanham numa coreografia de rebolado moderado e, no fim do verso “Pega a sua inveja e vai pra...”, tapam a boca da loura para impedir que ela solte um palavrão. Poucas horas depois, não se falava de outra coisa — para o bem e para o mal, claro — nas redes sociais. E assim continua sendo.

— Agora virei diva — resume Valesca.

Gravada num sítio em Cotia, em São Paulo, a segunda parte do clipe segue o “estilo” “National Geographic”. Protegida por um gorro branco peludo, a funkeira contracena com uma tigresa e uma águia (“Não fiquei com medo. Tenho mais medo de gente do que de bicho”, ela diz). Ainda teria uma terceira locação, a Torre Eiffel, mas o diretor do clipe, Márcio Azevedo, da MAP Style Entertaiment, achou que as cenas no cartão-postal parisiense destoavam do contexto.

Semana passada, o número de acessos ao vídeo batia 2,6 milhões. Usuária frenética do Twitter (comenta da “fofurice” do Papa Francisco à “gostosura” de Cristiano Ronaldo e a “importância” das últimas manifestações), incita os “popofãs” a curtirem o clipe. Números e análises à parte, “Beijinho no ombro” já é apontado como hit do verão. E Valesca, ícone do funk proibidão e da estética trash, acabou, quem diria?, “democratizando” a gíria criada pela turma LGBT — para quem não sabe, “beijinho no ombro” significa desdém absoluto por algo ou alguém — entre todas as classes sociais.

— Deus falou: “Vai menina, vai que é sua, para de acertar na trave” — acredita ela.

A jogada que faz crer no primeiro gol de Valesca começou a ser desenhada no ano passado, quando ela saiu do grupo Gaiola das Popozudas, amenizou as letras vulgares e se lançou na carreira solo. A ideia foi de Leandro Gomes, o Pardal, empresário da funkeira há 12 anos. Em 2001, ele abastecia o carro num posto de gasolina da Avenida Maracanã quando percebeu o “potencial’’ da frentista que enchia seu tanque, uma morena magrela de cabelos cacheados.

— Quando levei Valesca ao baile funk na quadra da Portela, vi que tinha futuro ali: ela subiu no palco para dançar com o Mr. Catra e deixou todo mundo de boca aberta. Eu tinha duas opções, namorar essa mulher ou ficar rico com essa mulher — lembra o empresário, que escolheu as duas opções. (Pardal é pai do filho de Valesca, Pablo, hoje com 14 anos, e faz questão de dizer que triplicou o cachê da funkeira, que não quer mais descer até o chão por menos de R$ 45 mil.)

Foi ainda em 2001, para aumentar a venda de bebidas no Scala, que Pardal teve a ideia de botar Valesca e mais quatro dançarinas de shortinho dançando numa gaiola. De lá para cá, muita coisa mudou. Valesca começou a cantar, colocou lentes de contato azuis, turbinou com silicone seios (970ml) e nádegas e tornou-se musa do Salgueiro e do movimento gay. Recentemente, trocou a musculação pelo pilates e, mais palatável, passou a se apresentar em festas de formatura de colégios religiosos da Zona Sul, virou objeto de tese de mestrado sobre feminismo e vai estrelar um filme que a compara a Madame Bovary. Bolsa Chanel a tiracolo — onde guarda fotos dos looks montados por sua personal stylist para a sessão de fotos — e sapatos Louboutin parcelados no cartão (é louca por sapatos), Valesca derrapa numa pronúncia ou outra das grifes que exibe e afirma que não está necessariamente mandando um beijinho no ombro para seu passado:

— Não fui eu que mudei. Foi o funk que mudou — diz ela, hoje com 35 anos.

Autor de “101 funks que você tem que ouvir antes de morrer”, Julio Ludemir analisa a reinvenção de Valesca como parte do movimento do gênero:

— Os bailes foram sufocados nas favelas e o funk teve que avançar para outros mercados. E a Valesca entra nessa lógica. O jovem de classe média está lidando com o funk como um consumidor de produto cultural.

Com nova roupagem, Valesca passou a fazer shows de terça a domingo e a ter suas músicas nas trilhas das festas mais hypadas da cidade. No Bailinho, domingo passado no MAM, o hit da funkeira fez parte do set de João Brasil, que tocou um mashup de “Beijinho no ombro” com “Wake me up”, de Avicii.

— É a Valesca sendo pop pra caramba! Adoro a fase underground dela mas agora, sem baixaria, dá para tocá-la em mais lugares — diz o DJ.

Parceiro de underground, Mr. Catra, com quem ela gravou “Mama’’ (“Me chama de piranha na cama’’), gosta da Valesca light:

— Mesmo falando palavrão, ela sempre foi uma lady. O clipe esculachou, deu moral para o movimento. Existem as poderosas, mas a Valesca é o poder.

Por falar em poderosas, dizem as más línguas que Anitta — outro recente fenômeno de construção pop — e Valesca não se bicam. “Rala sua mandada!”, grand finale de “Beijinho no ombro”, seria um recado para a autora de “Show das poderosas”. Valesca nega, mas...

— Não tenho inimigas, mas também não tenha muitas amigas.

Para o pesquisador musical Miguel Jost, professor de Letras da PUC, Valesca e Anitta estão no mesmo pacote:

— São artistas que estão na fronteira entre o funk e uma música pop mais convencional. O ritmo é contagiante, a melodia pode ser memorizada facilmente e a letra se apropria de símbolos que remetem a um universo de luxo e poder. O fenômeno que Valesca se tornou, e que justifica tantos debates, talvez possa ser explicado pela incapacidade que uma certa elite cultural ainda tem para aceitar que os “novos” atores sociais produzam um discurso dessa natureza.

Além de debates, o sucesso rendeu paródias compartilhadas nas redes sociais. Tem a versão marxista, a evangélica, a presidencial e até um cover de Maria Bethânia cantando a letra de Wallace Vianna, André Vieira e Pardal. O vídeo da pseudo irmã de Caetano vagarosamente entoando “Beijinho no ombro pro recalque passar longe” é parte do espetáculo “Mais que Dilmas”, do humorista Gustavo Mmendes, no Teatro das Artes.

— O verso “Keep calm e deixa de recalque” é o meu favorito. É uma frase de lápide! A Valesca é um tapa na cara da sociedade machista — diz ele.

Para a psicanalista Regina Navarro Lins, Valesca ergue a bandeira da liberdade sexual feminina:

— Ela expressa sua sexualidade do jeito que quer e está muito longe de ser uma mulher objeto.

Professora de Marketing Estratégico da ESPM e especialista em comportamento, Simone Terra vai além:

— O fato de uma mulher se apropriar de um universo tão masculino como o funk é uma das explicações para o fenômeno Valesca, que fez com que mulheres se identificassem com o gênero. Quebra-se o preconceito contra o funk.

Ano passado, Valesca tornou-se o principal foco da tese de mestrado “My pussy é poder — A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria cultural”, que Mariana Gomes defende no curso Estudos de Mídia, da UFF.

— Não é só com as músicas que Valesca influencia as pessoas sobre os modos de pensar e enxergar a mulher hoje, mas também pela sua postura em outras áreas da vida. Acho que ela escolheu um início diferente para sua nova jornada como cantora solo — ressalta Mariana.

Na mesma universidade, estudantes de Cinema & Audiovisual estão produzindo o documentário “Experiência Popozuda”, que compara Valesca e Madame Bovary. Isso mesmo.

— A cantora é considerada por muitos uma das novas figuras feministas, por carregar em suas letras o ideal de independência da mulher. Ao ser constantemente criticada, por ser uma mulher que usa sua própria sensualidade como forma de expressão, Valesca se equipara a Emma, a Madame Bovary de Gustave Flaubert — justifica Hiran Matheus, idealizador do projeto.

Valesca defende o direito de a mulher fazer com o corpo o que bem entender, dentro e fora dos palcos. Filha de um apontador do jogo do bicho e de uma trocadora de ônibus, ela saiu de casa aos 14 anos para morar com um namorado:

— Mas só perdi a virgindade aos 16. Antes, só brincava de médico.

Dois anos depois, namoro acabado, trocou a casa da mãe, no Irajá, bairro onde nasceu e se criou, por um apartamento no Méier, dividido com amigas. Para bancar sua liberdade, começou a trabalhar cedo. Lanchonete, loja de brinquedos, borracharia e posto de gasolina, aquele onde se apaixonou por Pardal.

— Ele tinha outras namoradas, e eu era apenas mais uma. Sofri muito na gravidez porque ele não me deu carinho. E mulher grávida quer carinho, ? Ninguém acredita quando digo, mas gosto de homem romântico.

Depois de Pardal, Valesca nunca mais engatou num relacionamento sério:

— Só tenho lanchinhos (risos).

Fã de Fábio Júnior, ela prefere sair com anônimos para evitar fofocas “na mídia”, como a que envolveu o então presidente Lula, em 2009.

— Peguei o Lula olhando para o meu popozão! — lembra Valesca, que depois usou foto dele (autorizada pelo próprio, diz ela) em ensaio para a “Playboy”.

No fim da sessão de fotos para esta reportagem, foi indagada se de fato não rolou nada entre os dois.

— Você acha mesmo que te contaria se tivesse tido um caso com o Lula? — diz, antes de mandar um beijinho no ombro para a repórter.


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