Quantcast
Channel: OGlobo
Viewing all articles
Browse latest Browse all 32716

‘Woody Allen salvou minha adolescência’

$
0
0

Minhas primeiras lembranças do nome Woody Allen são da infância. Lembro do meu pai dizendo que era só um “judeu chato”, mas não do contexto específico. E também de um adulto qualquer em uma festa da minha mãe dizendo que meu amigo e eu deveríamos montar uma banda de jazz, porque o Woody tinha uma e era isso que fazia as mulheres se apaixonarem por ele. Eu achei o cara um idiota, que-jazz-o-que-eu-só-quero-jogar-meu-videogame-que-festa-chata-acaba-logo.

Mas eu só soube realmente quem de fato ele era por volta dos treze anos. Minha família não é de artistas nem intelectuais. Cresci ouvindo Fábio Jr. no carro da minha mãe. Nasci em Brasília e, no Rio, morei até o fim do colégio na Barra da Tijuca. E a Barra é uma bolha, né? Só que, dentro daquela bolha, fiz um amigo na aula de natação que tinha pais cinéfilos. Certo dia, eles nos levaram para assistir a “O escorpião de Jade”.

Engraçado que, para muitos, a fase do início dos anos 2000 foi a mais fraca da carreira do Woody. Mas, para um pré-adolescente que não conhecia sua obra prévia, aquilo era impressionante. Piadas inocentes hilárias misturadas com outras que eu não entendia, mas ficava louco para entender. Era diferente das outras comédias. Fazia rir. Fazia pensar. O protagonista não era um bonitão. Era um velhinho quase careca que ganhava pelo humor.

Pouco tempo depois, o acaso me levou em uma madrugada a ligar a TV quando passava “Todos dizem eu te amo”. E lá estava ele correndo tão desajeitado de short quanto eu quando tentava ir à praia. Estranho, neurótico, feio. E, apesar disso, beijando a Julia Roberts.

Woody Allen salvou minha adolescência. Com ele eu descobri que era ok não ter nascido bonito. Eu podia tentar ser engraçado. Comecei a fazer comentários espertinhos em reuniões de família, no McDonald’s com amigos. Algumas piadas criei coragem até de falar em sala de aula, por mais certinho que eu fosse.

O primeiro filme antigo dele que aluguei foi “A rosa púrpura do Cairo”. Acho que foi o momento em que me apaixonei por cinema e decidi que faria de tudo para trabalhar com isso. Não fazia ideia da premissa do filme, apenas apertei o play. Quando o personagem de Jeff Daniels saiu da tela do cinema, levantei do sofá. Como alguém podia ter pensado naquilo? Como alguém podia ser tão criativo?

Fui alugando filme atrás de filme do Woody. Depois, filme atrás de filme dos caras que inspiravam ele. E depois os livros que ele citava. E as músicas das trilhas sonoras. Eu, basicamente, virei um ser pensante por causa do Woody Allen.

Claro que, hoje, minha empolgação é menor. Fui assistir a “Blue jasmine” só no sábado - o Matheus de 16 anos teria visto no Festival do Rio ou na primeira sessão de sexta-feira. Também não discuti com os amigos que não gostaram do filme como se eles tivessem xingado minha mãe. A gente cresce e fica mais chato, menos entusiasmo pelas coisas.

Mas isso não significa que Woody não continue me gerando novas emoções. Na última semana, fui no lançamento de um livro e uma simpática menina pediu para tirar foto comigo. Logo depois ela soltou: “Eu estou assistindo à filmografia inteira do Woody Allen por sua causa”. Foi uma das coisas mais lindas que ouvi na minha vida.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 32716