RIO - Transplantado da Estação Leopoldina para a Cidade das Artes, o Back2Black passou no teste no primeiro dia de sua quinta edição. Apesar de todas as desconfianças relativas ao novo espaço (um elefante branco... distante do seu público...), à data (uma sexta-feira feriado!) e alguns problemas com estacionamento, a força das atrações e o bom clima do local conseguiram reverter as expectativas e o festival proporcionou um espetáculo memorável ao público que resolveu arriscar uma ida à Barra para participar da grande celebração da cultura negra.
Ainda eram os poucos que, por volta das 19h, curtiam o samba-rock do cantor Marcio Local no pequeno palco Estrombo. Mas, com a entrada, pouco depois, do MC congolês Baloji no palco Rio, de mais destaque, a coisa começou a esquentar de fato. Acompanhado de uma banda cheia de disposição, ele deitou e rolou sobre o público no Palco Rio com seu som que conjugou funk, soul e África com a maior facilidade. Showman nato, Baloji brilhou com seu molejo e suas mensagens políticas (“a independência só começa com o fim da ditadura!”). A participação do MC Marechal só fez jogar gasolina sobre um fogo que já comia solto – o duelo muito cordial entre os dois foi uma das indicações do que viria de bom na noite.
E o que veio, subindo as escadas rolantes da Cidade da Música, até a pomposa Grande Sala, foi de surpreendente classe. Em um teatro com acústica impecável, Milton Nascimento mostrou o seu lado mais livre, revisitando clássicos e arriscando-se instrumentalmente com sua banda. “Bola de meia, bola de gude” abriu a sessão, que enveredou por um “Credo” com o cantor enrolado em uma bandeira brasileira. Já “Cais” e “Clube da Esquina n° 2” prepararam o público para a grande surpresa: o cantor relembrou sua “Love and passion” (gravada por Sarah Vaughan) com a participação surpresa da novata cantora Júlia Vargas – a reprisar a mesma generosidade com novas vozes femininas que ele certa vez teve com uma promissora Maria Rita.
Enquanto isso, abaixo, no Palco Rio, o cantor e violonista nigeriano Keziah Jones fez um dos shows mais energéticos da noite. Com volume a toda, ele mostrou sua pegada peculiar no instrumento (cheio de distorções e outros efeitos), acompanhado apenas por um baixista mestre dos slaps e um baterista craque nas quebradas. Seu funk com tempero africano, de fazer inveja a qualquer Red Hot Chili Peppers, ganhou o público que começava a encher a Cidade da Música na entrada da noite. Entre canções próprias (entre elas, as de seu novo álbum, “Captain Rugged”), ele ainda atacou de “All along the watchtower”, um Bob Dylan imortalizado por outro grande trio potente, o de Jimi Hendrix.
Noite que segue... Com o bom jongo e samba da cantora Renata Jambeiro (no palco Estrombo) ainda a ressoar, foi a vez de o rapper paulistano Criolo assumir o palco Rio, em mais um show do seu disco “Nó na orelha”. “Subirosdoistiuzim”, “Freguês da meia-noite”, “Grajauex” e “Não existe amor em SP” foram alguns dos sucessos recebidos pelo público em clima de total reverência, resultado do bom trabalho que o carismático artista vem desenvolvendo na cidade com a sua banda, encabeçada pelo baixista e produtor Marcelo Cabral. Mas o show do rapper ainda ia ser dividido com outra estrela: Tony Allen, baterista fez parte da banda do criador do afrobeat, o nigeriano Fela Kuti, e ele mesmo uma “lenda da música cósmica universal” (conforme anunciado por Criolo). E o que se ouviu foi um espetáculo rítmico de primeira categoria, para deleite do público, já bem agitado.
E a deixa afrobeat foi na medida para o saxofonista Femi Kuti, filho de Fela, que ficou com a responsabilidade de fechar a noite, no palco Rio. Acompanhado por dançarinas-cantoras (que podem ensinar algumas lições a qualquer candidata a Britney Spears) e de uma banda para lá de azeitada, o muito elétrico maestro (que se revezou no sax, na clarineta, nos vocais e nos teclados) nigeriano conduziu a noite rumo a um baile dos mais quentes, com canções de alto teor político e metais em brasa. Só não dançou na noite de estreia do Back2Black quem não quis.