BRASÍLIA — O cinema de memória e a memória do cinema fecharam a competição de longas metragens do 46º Festival de Brasília, na noite de segunda-feira. O programa foi aberto pelo documentário “A arte do renascimento – Uma cinebiografia de Silvio Tendler”, de Noilton Nunes, que repassa a trajetória cinematográfica do documentarista político carioca, e encerrou-se com a ficção “Exilados do vulcão”, de Paula Gaitán, livre adaptação do romance “Sobre a neblina”, de Christiane Tassis, sobre um fotógrafo desmemoriado que passa a viver dos fragmentos de vida recuperados por sua amada.
Como de hábito nesta edição, ambos foram aplaudidos pela plateia brasiliense. “A arte do renascimento” cruza o caminho profissional e pessoal do autor de documentários seminais como “Os anos JK – Uma trajetória política” (1980), e “Jango” (1984), marcada pela resistência política. O ponto de partida a recente crise de saúde do cineasta, que foi parar numa cadeira de rodas depois de complicações resultantes da combinação de diabetes com um problema na medula óssea. A recuperação de Tendler é contada em paralelo com alguns dos principais acontecimentos políticos do país nos últimos 50 anos, retratados em seus filmes, que tiveram como personagens figuras como Glauber Rocha, os ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitscheck, e o político e guerrilheiro Carlos Marighella.
Entusiasmado, Noilton Nunes exortou o público a mudar a letra do Hino da Independência, cantado ex-governador do Rio Leonel Brizola em um comício, em trecho recuperado pelo filme.
— Vamos trocar (o verso) “morrer pelo Brasil” por “viver pelo Brasil”. Ninguém tem mais como morrer pelo país, vamos viver por ele! – exultou o diretor, em tom panfletário, intensamente ovacionado pelos espectadores. — “A arte do renascimento” vai ser o filme que mudou o Hino da Independência! Passei a vida inteira ouvindo “vamos mudar o mundo!, vamos mudar o mundo!”. Nesta noite pelo menos vamos mudar o Hino!
Tendler lembrou de sua ligação com Brasília e seu festival, do qual já foi, inclusive, coordenador geral.
— Hoje, é uma honra estar aqui do outro lado da tela (do Cine Brasília) — disse o diretor de 63 anos. — “A arte do renascimento” é um filme sobre um exemplo de vida, para quem não tem mais chances de fazer mais nada. Estou conversando com vocês em condições normais por causa dessa vontade de continuar lutando. É também um filme sobre a amizade. Conheço o Noilton desde os 17 anos, quando eu participava do movimento cineclubista. Lutamos juntos e separados pelo cinema.
O tom ficou mais intimista com “Exilados do vulcão”, drama estruturado sobre longos planos rodados uma área rural de Cataguazes e Belo Horizonte, econômicos nos diálogos, que tentam traduzir as angústias dos personagens. Na trama, uma escritora consegue salvar de um incêndio o diário e uma pilha de fotos de um fotógrafo que perdeu a memória, e que um dia amou. Munida com suas palavras e rostos capturados pelo amado, ela cruza estradas e montanhas tentando refazer os passos deles. No elenco estão Clara Choveaux, Bruno Cezario, Romeu Andrade, Lorena Lobato e Ava Rocha. A fotografia é do chileno Inti Briones (“Planeta solitário”).
— Comecei a escrever o roteiro há cinco anos, que ganhou vários tratamentos diferentes com o passar do tempo. Quando finalmente fomos filmá-lo, ele se transformou novamente. É um filme que fala sobre o movimento de paixões e emoções — contou Paula sobre sua primeira experiência com a ficção. — Tenho uma relação muito boa com o Festival de Brasília e com a cidade. Foi aqui que exibi meu primeiro filme, o “Uaka”, em 1988. Meu filho Eryk (fruto de seu casamento com Glauber Rocha, produtor do filme), nasceu aqui, durante as filmagens de “A idade da Terra” (1980), no qual fiz a direção de arte.
* Carlos Helí de Almeida viajou a convite da organização do Festival de Brasília