NOVA YORK — “Como você pode bater num homem na minha condição?”, diz Michael J. Fox ao receber um tapa de brincadeira da irmã de seu personagem na estreia de “The Michael J. Fox Show”. Ele poderia dizer o mesmo para o público, não em tom de brincadeira, mas como uma leve provocação.
A “condição” de Michael J. Fox é o Mal de Parkinson e sua nova série, que estreia na NBC em 26 de setembro, não apenas traz o ator. Basicamente o transforma em personagem. Muitas novas séries têm personagens com problemas físicos ou condições médicas severas, mas “The Michael J. Fox Show” vai mais longe. É uma série ficcional inspirada na vida real do ator.
Com nossa tendência natural de achar que fazemos parte de algo inovador, é fácil esquecer que personagens com deficiências já aparecem na televisão há muito tempo. Isso é ressaltado nesta temporada na nova versão de “Ironside”, sobre um detetive que usa cadeira de rodas, que chega à NBC em 2 de outubro. O “Ironside” original, com Raymond Burr, foi lançado em 1967.
Desde então, a televisão já trouxe investigadores cegos (“Longstreet”, em 1971, e “Blind Justice”, em 2005) e um detetive “defeituoso” com transtorno obsessivo-compulsivo (“Monk”, em 2002), além de um preso paralítico (Augustus Hill em “Oz”, de 1997). Mary Ingalls perdeu a visão em “Little house on the prairie”, em 1978.
E Fox está longe de ser o primeiro ator com alguma deficiência ou doença grave a interpretar um personagem com o mesmo desafio na televisão (apesar de muitos argumentaram que esse tipo de escolha não é comum). Jim Byrnes, com dupla amputação, trabalhou em “Wiseguy” nos anos 1980 e “Highlander” nos 1990, entre outros. Chris Burke, que tem síndrome de Down, apareceu na comédia “Life Goes On”, que teve quatro temporadas a partir de 1989.
Quando Dana Elcar, um ator de “MacGyver”, desenvolveu um glaucoma e começou a perder a visão no início dos anos 1990, a série fez o personagem passar pela mesma experiência. Em “Breaking Bad”, RJ Mitte sofre de paralisa cerebral e interpreta Walter White Jr., que tem o mesmo problema.
Reconhecendo esses precedentes, certamente há mais personagens com deficiências hoje e eles estão ganhando papéis mais ricos e vidas mais ativas, com os roteiros enfatizando mais as suas capacidades do que as incapacidades. Mas o novo programa de Michael J. Fox está num universo diferente desses debates. Ele não apenas tem a mesma doença de seu alter ego, um apresentador de TV chamado Mike Henry, como também é a pessoa com Parkinson mais famosa do mundo. Ele era uma das estrelas mais queridas de Hollywood bem antes de anunciar que era portador da doença, em 1998. Desde então, nunca se constrangeu em falar sobre os sintomas, sempre enfatizando as coisas que consegue fazer e não as limitações.
Tudo isso aparece no novo programa. Ele e os redatores sabem que todos conhecem o problema de Fox e como as pessoas naturalmente reagem a isso — aquela mistura condescendente de simpatia, pena e desconforto que qualquer deficiência gera naqueles que não são diretamente afetados por ela. E eles tiram vantagem disso tudo.
O piloto é agressivo em mostrar o que alguém com essa doença pode fazer. Mas tem muitas outras coisas acontecendo. O episódio envolve a decisão de Mike retornar ao trabalho na NBC, que ele deixou por causa do Parkinson. O homem que tenta convencê-lo a voltar sabe o quanto isso aumentaria a audiência e Mike sabe exatamente como a NBC vai promover o assunto.
Fox já usou sua condição de portador de Parkinson como convidado em outros programas, especialmente como um advogado que usa os sintomas para vencer casos em “The good wife”, mas “The Michael J. Fox Show” vai além disso. É sobre Mike Henry e o Mal de Parkinson; sobre o mundo ficcional do programa reagindo a Mike e à doença; sobre Fox nos forçando a reagir ao Mal de Parkinson; sobre a NBC deixando claro que sabe haver um pouco de manipulação na forma como busca nossas reações.
Michael J. Fox sempre foi um bom ator de comédia, e não perdeu o talento. Os expectadores são convidados a decidir se isso tudo é admiravelmente corajoso ou uma exploração repugnante, enquanto Fox diz, com ironia, “Como você pode bater num homem na minha condição?”