PARIS - Tantas vezes citado mais por suas ausências — Amy Winehouse, em 2007 e 2008, e Oasis, em 2009, cancelaram de última hora suas apresentações — e com seu futuro questionado pela dificuldade em obter recursos nestes tempos de crise, o festival parisiense Rock en Seine aumentou seu público no último fim de semana e garantiu uma sobrevida. Com Franz Ferdinand, Phoenix, System of a Down e Nine Inch Nails como principais atrações de um total de 56 artistas, em sua 11ª edição o evento bateu seu recorde de audiência: 118 mil pessoas (38 mil na sexta-feira e lotação esgotada, de 40 mil, no sábado e no domingo) prestigiaram os shows programados em quatro palcos montados no parque nacional de Saint-Cloud, no Sudoeste da capital francesa, apesar da chuva que apareceu no final.
Prata da casa, os franceses do Phoenix eram um dos grupos mais aguardados no palco principal. Catapultada a estrela mundial com o álbum “Wolfang Amadeus Phoenix” (que venceu o Grammy e vendeu 700 mil cópias nos Estados Unidos), a banda de rock eletrônico diz ter recusado no início do ano um contrato de US$ 50 milhões por dois anos de turnê, para não se tornar escrava de sua agenda.
Vinho, e não só cerveja
A poucos quilômetros de sua cidade natal, Versalhes, e com dois músicos extras, o grupo alternou seus maiores sucessos — como “Lizstomania”, “1901” e “If I ever feel better” — com canções do novo disco, lançado este ano, “Bankrupt!”. Em uma longa passagem instrumental, o vocalista e líder da banda, Thomas Mars, se deitou no palco, de costas para o público, para apreciar no telão o vídeo de um carro atravessando Paris em alta velocidade na madrugada, feito pelo cineasta Claude Lelouch em 1976. Ao fim do show, sob chuva, protagonizou um demorado crowdsurfing, jogando-se na plateia.
A carioca Sara Levy, 26 anos, em férias pela Europa, conta que alterou as datas de sua viagem para poder estar em Paris no dia do show do Phoenix:
— Toda vez que saio em férias, pesquiso a programação musical do roteiro, e não queria perder o show deles aqui.
Em sua estreia no Rock en Seine, ela estranhou o fato de se poder beber vinho num festival de música, “e não apenas cerveja”, e também o comportamento do público:
— Aqui, a galera assiste mais calada, aplaude só no final, é uma energia diferente da dos festivais no Brasil.
Sua percepção coincide com o sentimento dos americanos do Nine Inch Nails, que combinaram seu rock físico e industrial com efeitos visuais de palco, num setlist marcado por sucessos como “Closer”.
— Este festival parece muito civilizado em comparação com aqueles a que estamos habituados — lançou no microfone o líder do grupo, Trent Reznor, em uma de suas raras intervenções durante a apresentação da banda, criada em 1989.
O Franz Ferdinand também não decepcionou os fãs e esbanjou boa forma em cena com seu elogiado rock seco, reavivado no recém-lançado disco “Right thoughts, right words, right action”, o quarto álbum do quarteto escocês. Sua performance se encerrou, no entanto, com a mítica “Take me out”, hit de 2004.
Para os organizadores do festival, a maior aposta comercial e de afluência de público estava concentrada na performance do System of a Down. O que acabou se confirmando. Sobre tapetes persas estendidos no palco, os armeno-americanos, liderados pela voz e pelos gritos de Serj Tankian, foram aclamados pelo público metaleiro e de hard rock, que, entre trombadas mosh, acompanhava com todas as letras as canções. Em registro similar, os amantes do rock primitivo foram contemplados com as estridentes guitarras do Black Rebel Motorcycle Club.
Neste ano, a música eletrônica ganhou mais espaço, com destaque para o alemão Paul Kalkbrenner, o francês Vitalic e os italianos do Bloody Beetroots. Já o Major Lazer, do DJ e produtor americano Diplo, entusiasmou a plateia com seu reggae eletrônico, além de causar surpresa ao levar ao palco o belga Stromae, nova sensação europeia, com seu hit “Papaoutai”.
Não faltou também o pop melódico do Belle and Sebastian num entardecer ensolarado. Com músicas de seu novo álbum, “The third eye centre” — uma compilação de raridades e canções inéditas de diversos períodos —, lançado ontem, os escoceses não deixaram de apresentar hits como “Judy and the dreams of horses” ou “The stars of track and field”, com direito a fãs resgatados da plateia para dançar no palco no final.
Apostas a serem descobertas
Os ecléticos palcos do Rock en Seine apresentaram ainda artistas confirmados, como Eels e Tricky; e outros em plena ascensão como Alt-J, Tame Impala (que volta ao Brasil este ano, em outubro), Alex Hepburn, Hanni El Khatib, Laura Mvula, Valerie June, Fauve, La Femme, Savages, Lianne La Havas, Patrice, Wavves, Diiv ou Chvrches.
No fim do domingo, com o semblante visivelmente extenuado, Christophe Davy, um dos três sócios-organizadores do festival, se disse satisfeito:
— Dos grupos que se apresentaram este ano, 27 têm no máximo um disco. Nosso papel também é fazer as pessoas descobrirem artistas que não iriam obrigatoriamente ver em salas de espetáculo. Certo é que o Rock en Seine 2014 está garantido.