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João Lelo inaugura exposição e deixa nova marca nas ruas no Rio

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RIO — Eram 16h de uma terça-feira nublada quando o artista plástico João Lelo, de 31 anos, começou a pintar o muro da foto acima. Escolheu um que fosse um quadrado quase perfeito (na verdade, dois, um ao lado do outro), e que não tivesse muitos desníveis. Em Botafogo, onde estava, restam poucos espaços livres, explica ele. Segundo o código de ética das ruas, não se deve pintar em cima do trabalho de outro artista. E os poucos muros “em branco” no bairro também são disputados por lambe-lambes. Achou um na Rua Muniz Barreto, à frente de uma construção abandonada, colocou o fone de ouvido e começou a medir as margens com a palma da mão. Calculou a proporção “no olho” e tirou cinco latas de spray da mochila, uma bandeja de plástico, um rolinho de espuma e uma garrafa PET com um preparado de tinta cor salmão. Sem qualquer tipo de rascunho, fez dois grandes “S” paralelos, um esboço de focinho, um arremedo de amarelo, um contorno em salmão logo preenchido de branco.

— Aí, irmão, curto muito esse tipo de trabalho, parabéns — interrompeu um passante, completando o elogio com um “joinha”.

O carioca Lelo, que vive em São Paulo, voltou ao Rio na semana passada para inaugurar a exposição Multgrab Expo Shapes, com pinturas feitas em bases de madeira de skates, em cartaz até o dia 13 de setembro no Galpão das Artes Urbanas da Comlurb, na Gávea. A visita também serviria para adiantar o painel que pintará no Art Rua, evento de arte urbana dentro da Art Rio, que acontece de 5 a 8 de setembro na Gamboa.

Na única tarde livre que teve na cidade, não pensou duas vezes: foi pintar algum muro, hábito que cultiva desde os 18 anos e que virou sua profissão.

— A obra dele tem um aspecto naïf que se confronta com o tamanho dos painéis e que acho muito interessante. É um artista que está há muito tempo batalhando seu espaço. Acompanho seu trabalho há anos, tanto em galerias quanto nas ruas — conta o galerista André Bretas, que integra a equipe de curadores do Art Rua.

Com a base do desenho já definida, Lelo gastou apenas 19 minutos para fazer os detalhes. Nesse período, três adolescentes de uniforme escolar tiraram fotos “iradas”, uma senhora sorriu, um rapaz estacionou a bicicleta para acompanhar o final do processo.

— Você é o Lelo? Sempre vejo seu desenho lá na rodoviária. É seu, não é?

O muro pintado por Lelo ao lado da Rodoviária Novo Rio é o seu trabalho mais antigo “vivo”. Apesar de ter começado a pintar nas ruas em 1999, pouquíssimos desenhos seus sobrevivem por mais de um ano. Ser efêmera é uma característica cara à arte de rua. Aquele, curiosamente, já dura sete anos. Há outros na Zona Sul e na Leopoldina.

A prefeitura do Rio tem uma visão cautelosa da iniciativa. Apesar de considerar as interferências visuais bem-vindas — as inscrições do Gentileza ou a escadaria do Selarón, por exemplo, são tombadas —, o secretário de Patrimônio Cultural, Washington Fajardo, observa que os artistas devem respeitar patrimônios históricos e Apacs (Área de Patrimônio Cultural):

— Acho o trabalho muito positivo, mas é preciso ter sempre esse cuidado, entender que a arte urbana é transitória e deve promover a revitalização do espaço, não sua deterioração.

O ciclista que observava Lelo só foi embora às 16h52m, quando o lobo ficou pronto, boquiaberto para a rua.

— Meu trabalho está se transformando cada vez mais numa construção, mais do que uma pintura. O meu processo de criação hoje é mais racional e tenho mais foco nesta fase, a do projeto — explica Lelo. — Trabalho muito sobre a experiência gráfica, a harmonia entre formas chapadas e padrões. Às vezes, acho que poderia ir para uma linguagem mais abstrata, mas, no momento, ter algo figurativo ainda é importante, gosto que o desenho tenha alguma história para contar.

É por isso, diz ele, que está sempre pesquisando figuras de animais.

— Eles são a base da minha criação. Escolho os que tenham alguma simbologia interessante e que eu possa representar de forma sintética.

Autodidata, João começou a desenhar com o pai, que é arquiteto, em casa. Ele preferiu que o filho não frequentasse escola de desenho.

— A ideia era que eu desenvolvesse uma linguagem própria antes. Muito novo, eu poderia copiar o estilo do professor, pegar cacoetes. Meu pai queria que eu fosse um artista mesmo, não só que aprendesse a desenhar.

Lelo só foi estudar ilustração na faculdade de Design Gráfico. Desde então, entre um muro e outro, foi convidado para competições internacionais, como a Swatch/MTV Art Battle, na Suíça, em 2009, e o festival de muralismo G40, na Virginia, nos Estados Unidos, em 2012. Em 2010, participou da exposição com artistas latinos “Metropolis”, em Buenos Aires, e da coletiva “Transfer”, no Museu das Culturas Brasileiras, em São Paulo. Também no ano passado, pintou os barcos dos pescadores da Urca para a exposição “Flutuarte”, no Rio.

Há dois anos, vive em São Paulo, para onde foi em busca de mais visibilidade. Hoje, suas pinturas e esculturas (começou a testar o suporte há pouco tempo) estão na galeria Choque Cultural. No Rio, na Homegrown.

— Não sei dizer quando me dei conta de que estava “vivendo de arte”. Fazia porque sentia a necessidade. É algo que me deixa feliz. Trabalhei por um tempo como designer, e depois as pessoas começaram a me procurar pelas obras autorais. Acho que esse foi o momento em que vi que podia viver disso.


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