RIO - O cenário das artes plásticas do Rio promete, nesta segunda metade de 2013, ser de muito movimento. Literalmente, já que três grandes nomes da arte cinética abrem em sequência exposições na cidade. Quem puxa a temporada é Abraham Palatnik. O artista nascido em Natal, pioneiro da arte tecnológica no Brasil, inaugura nesta quarta-feira, na Galeria Anita Schwartz, na Gávea, uma mostra com 31 trabalhos — dos quais quatro são “Objetos cinéticos” e um, um “Aparelho cinecromático”. Em seguida, em 3 de setembro, o cearense Sérvulo Esmeraldo exibe, na Pinakotheke, em Botafogo, uma antologia de 70 obras — entre elas dez “Excitáveis”, série de objetos interativos, que dependem da manipulação do observador para existir, construídos a partir de 1970. E, por último, o argentino Julio Le Parc ganha, a partir de 11 de outubro, um abrangente panorama de sua carreira na Casa Daros. Quarenta instalações pertencentes à Coleção Daros Latinamerica serão montadas no generoso espaço cultural de Botafogo, num conjunto que os curadores Hans-Michel Herzog e Ruth Schmidheiny descrevem, no catálogo que acompanha a mostra, como “uma grande sinfonia de luz em movimento”. Em comum, além de serem da mesma geração — Le Parc e Palatnik têm 85 anos, e Esmeraldo, 84 — os três artistas são donos de uma trajetória marcada pela inventividade e pela renovação, como se o dinamismo impresso em suas obras contaminasse o criador — e vice-versa.
A arte cinética, aquela em que há movimento real da obra, ganhou o nome em 1955, com a exposição “Le mouvement”, na galeria parisiense Denise René (onde Palatnik, em 1964, participou da “Mouvement 2”, e onde fez uma individual, em 2012). No momento, a vertente parece estar em alta não só no Rio. Paris acaba de abrigar a exposição “Dynamo — Un siècle de lumière et de mouvement dans l’art, 1913-2013”, que ocupou os quase quatro mil metros quadrados do Grand Palais de abril a julho, com obras de 150 artistas. Le Parc e Sérvulo Esmeraldo figuraram ao lado de nomes como László Moholy-Nagy, Jean Tinguely, Jesús Rafael Soto e Anish Kapoor.
Se os próximos meses prometem fazer jus à importância da obra de Esmeraldo, conhecido no exterior mas pouco visto aqui, e disseminar o trabalho de Le Parc, hoje é Palatnik quem provoca o visitante com um trabalho muito particular, que dificilmente se enquadra numa categoria. Foi justamente a falta de “enquadramento” que fez uma obra sua ser inicialmente recusada na primeira Bienal de São Paulo, em 1951. Era uma caixa com a frente em plástico flexível, na qual um mecanismo de polias e barbantes fazia hastes de metal se moverem com cartões coloridos. O mesmo mecanismo acionava luzes programadas pelo artista, criando imagens em movimento. Não era escultura, pintura, desenho ou gravura, as quatro categorias previstas na Bienal. O crítico Mário Pedrosa batizou-o de “Aparelho cinecromático”. Acabou ganhando menção do júri internacional e filhotes. O artista fez 33 deles — seis se perderam num alagamento na Alfândega, depois de uma exposição na Europa, alguns estão em museus como MoMA, MAM e Malba, e dois em sua casa. É um desses, de 1965, que está agora exposto no contêiner que fica no terraço da galeria.
As outras obras, produzidas desde 1960, mostram uma diversidade que traduz o modo de trabalho de Palatnik.
— Vou me virando de acordo com o material de que disponho — diz ele, com simplicidade que contrasta com a complexidade das peças dispostas nos dois andares da Anita Schwartz.
Quando “precisou” fazer um relevo, por exemplo, o artista usou barbantes sobre a tela. Em outra ocasião, misturou gesso e cola, e aplicou na tela com bisnagas de ketchup e mostarda. Esse trabalho, também inédito, está ao lado de séries de obras nunca exibidas ao público, como duas pinturas sobre relevos de madeira. Há ainda duas “Progressões” feitas com tiras largas de jacarandá, três “Permutáveis” — telas pintadas em mosaico — e cinco pinturas criadas especialmente para a exposição, produzidas a partir de finíssimas ripas de madeira, técnica que já usa há algum tempo. Em alguns casos, Palatnik pinta duas telas, corta-as em tiras, a laser, e compõe a peça alternando uma tira de cada. Em outros, pinta apenas uma tela e dispõe as tiras para cima e para baixo. Não importa o caminho, o produto final provoca uma sensação ótica de movimento. O mesmo processo é feito com cartão e metal. Na Anita Schwartz há um exemplar de cada. O resultado é provocador, e instiga a pergunta: como fez? O artista, que pouco fala e não gosta de teorizar sobre sua obra, diverte-se ao contar histórias como essa:
— Fui parar numa firma que trabalhava com facas de corte, fiz o desenho sobre o papel-cartão e mandei cortar 500 tiras. O dono disse: “Esse camarada é doido. Pega uma folha bonita dessas, tão bem feita, e manda cortar”.