RIO - Após o fenômeno “Avenida Brasil”, que dirigiu a quatro mãos com Amora Mautner, imprimindo um visual de estilo documental fora das convenções das novelas das 21h, o mineiro José Luiz Villamarim disparou o radar do cinema brasileiro em sua busca por novos talentos. A percepção inicial de que há um cineasta prestes a eclodir de dentro do ex-economista transformado em diretor de novelas cresce a cada novo reclame publicitário de “O canto da sereia”, novo projeto de Villamarim. No ar a partir do dia 8, na Rede Globo, a microssérie em quatro capítulos sobre um segurança (Marcos Palmeira) empenhado em desvendar o assassinato de uma musa do axé (Ísis Valverde) flagra uma Bahia distante do cravo e da canela habituais com que a teledramaturgia trata o estado.
— A TV já fez muito a Bahia de Jorge Amado. Eu queria uma Salvador contemporânea, realista — diz Villamarim, que desenvolveu “O canto da sereia” no núcleo do diretor Ricardo Waddington.
Baseada no romance homônimo de Nelson Motta, a Bahia onde Ísis é uma Ivete Sangalo com ares de femme fatale é retratada sem os filtros alegóricos (e bem-comportados) do folhetim. A microssérie segue os moldes da estética de documentário perseguida por Villamarim — que impressionou a audiência nas tomadas do lixão de “Avenida Brasil”. Essa estética faz com que ele já seja tratado como um diretor autoral pela crítica especializada. E, agora, ele está disposto a mostrar que o sexto sentido do cinema não se engana: em junho, roda seu primeiro longa-metragem, “Inferno provisório”, tirado do épico literário do escritor Luiz Ruffato.
— Quando me formei em Economia, em BH, o cinema estava parado, pelo fim da Embrafilme (distribuidora estatal desmantelada em 1990). A videoarte, que é forte até hoje em Minas, apareceu como uma alternativa de expressão. Eu fiz ainda um docudrama para a polícia mineira antes de emplacar um estágio na minissérie “Anos rebeldes”, onde trabalhei com o cineasta Silvio Tendler. Mas filmar sempre foi um desejo. Se levei algo de cinema para a TV, foi a busca pela organicidade realista do documentário — diz Villamarim.
Fé no ator
Carregado de influências de realizadores como John Cassavetes e Michael Winterbottom no olhar, Villamarim rodou a série com parceiros de DNA cinematográfico. A começar pelo fotógrafo Walter Carvalho, diretor de “Raul — O início, o fim e o meio”, um dos documentários brasileiros de maior público da década, com 170 mil pagantes.
—Quando se vê um plano refinado na TV, dizem que seu diretor está fazendo cinema na televisão. Não é bem assim. O que confere a Villamarim um traço de cinegrafia é o fato de que faz novela ou série não preocupado com os ditames do folhetim, mas sim com a reflexão do olhar — diz Carvalho.
Supervisionada por Glória Perez, a adaptação do texto de Motta foi escrita por George Moura (roteirista de “Linha de passe”), Patrícia Andrade (que roteirizou o blockbuster “2 filhos de Francisco”), e Sergio Goldenberg (diretor de “Bendito fruto”).
— Zé Luiz é um diretor que tem obsessão pelo artesanato da cena, um gosto sublime pelo plano cinematográfico, que não seja apenas belo, mas que conte a história narrada — diz Moura, parceiro de Villamarim no programa “Por toda a minha vida: Mamonas Assassinas”, indicado ao International Emmy Awards em 2009 e roteirista de “Inferno provisório”.
Autor de “Avenida Brasil”, João Emanuel Carneiro distingue a direção de Villamarim pelo timbre emotivo.
— Melodrama exige emoção. Villmarim dá essa emoção porque injeta verdade ao enquadramento nesse olho realista que tem — diz Carneiro.
Com sucessos como “Paraíso tropical” e “Cabocla” no currículo, Villamarim levou ainda atores de projeção no cinema, como João Miguel e Fabiula Nascimento, para “O canto da sereia”.
— Acredito na força dos atores. Parte deles a relação de identificação que a TV, na busca da verdade, pode criar.