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Cao Guimarães lança livro com fotos feitas ‘às cegas’

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RIO - “Com certeza estávamos em um parque. Um imenso e longiplano corredor de vento. Ela me deixou em uma escada, agarrado a um corrimão de ferro. De algum lugar um pouco mais acima, o barulho de pessoas se divertindo. Subi até o topo da escada e comecei a sentir vultos passando perto de mim. Às vezes a cauda de um pano bem leve esbarrava no meu corpo.” Era dezembro de 1996, em Londres, e Cao Guimarães estava vendado, com uma câmera nas mãos. Fotografou às cegas e depois escreveu sobre o que definiu como “sequestro”: de 1996 a 1998, o artista mineiro pediu a amigos que o levassem, vendas nos olhos, a lugares desconhecidos. Lá, ele faria registros às cegas e, depois, escreveria sobre as impressões do que não viu.

O projeto resultou no livro “Histórias do não ver”, que, no fim dos anos 1990, ganhou edição independente — Cao conta que ele próprio distribuiu os mil exemplares do trabalho, até restarem apenas dois consigo. Quando o Itaú Cultural, em São Paulo, dedicou a ele uma retrospectiva (de março a junho deste ano), o artista manifestou o desejo antigo de relançar o livro, que, agora, ganha segunda edição pela Cobogó, com lançamento neste sábado, na Livraria Quixote, em Belo Horizonte.

A cidade (onde Cao vive e trabalha) é cenário de alguns dos oito “sequestros” que compõem o livro. O primeiro deles, em agosto de 1996, foi lá: já vendado, Cao foi levado a uma barbearia. No livro, há fotos de sua figura no espelho, da navalha que o barbeiro usava em seu rosto — mas elas não são “restituições do visível”, funcionam como “tiros no acaso” que “tentam adivinhar o desconhecido”, como escreve Teodoro Rennó Assunção no posfácio do livro.

No relato posterior ao “sequestro”, Cao também tenta reconstituir o que não viu e tateia a experiência ao refletir sobre a ausência da visão. “A memória é um lugar onde as coisas acontecem por uma segunda vez. E o que é um espelho senão um lugar e uma segunda vez? (...) Eu estava com certeza diante de um espelho e não podia me ver”, escreve o artista.

Com obras nas coleções do MoMA, da Tate e do Guggenheim, Cao é conhecido justamente pelo olhar original para o que chama de “microfenômenos do cotidiano” (não à toa sua retrospectiva no Itaú Cultural ganhou o título de “Ver é uma fábula”). Quando começou o projeto de “Histórias do não ver”, em 1996, morava em Londres e registrava “trivialidades cotidianas” — “uma semente que caía na privada, uma luzinha que cruzava o azulejo da parede”, lembra.

— Eu estava num processo de muito trabalho com imagem (são dessa época os filmes “The eye land” e “Between”) e queria ver o mundo de outras formas. Para mim, a visão é tirana no sentido de que embota os outros sentidos. E como sou uma pessoa do olhar, fotógrafo e cineasta que tem a mania de enquadrar tudo, dá vontade de ver o mundo de outra forma. A ideia do livro era justamente esta: criar um dispositivo que me lançasse em experiências, em que eu iria participar de eventos com os outros sentidos, sem a visão — conta Cao. — O projeto também contemplou meu desejo de escrever. O fato estético do livro, aliás, está na literatura, e não nas fotografias. Fotografar sem ver não permite compor nada. Nessa obra, é no texto em que revelo meus sentimentos.

Diretor de oito longas-metragens (ele é um dos artistas que mais aproximaram o cinema das artes plásticas no país), Cao agora se dedica a finalizar seu mais recente filme, “O homem das multidões”, que assina com Marcelo Gomes. Baseado num conto de Edgar Allan Poe (sobre um homem que nunca podia estar só), o filme parte de dois personagens para tratar da solidão — um homem, maquinista do metrô, e uma mulher, funcionária da sala de controle dos trens. Cao planeja lançar o filme em festivais no final deste ano e em circuito no início do ano que vem.


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