RIO - O lançamento brasileiro de “Big inner” (pelo selo Vigilante, da Deck) deixou o cantor e compositor americano Matthew E. White em polvorosa. Afinal, a música do país tem uma grande — embora não perceptível inicialmente — influência nesse seu álbum de estreia que arrancou resenhas entusiasmadas de jornais como o “The New York Times”.
— Escutei aquele disco de Gal Costa, o “Gal”, de 1969, todos os dias enquanto gravava o meu. A forma com que ele levava aquelas canções bonitas para o espaço sideral... Muitos dos arranjos de sopro do meu disco vêm daí — conta, por telefone, esse fã de Rogério Duprat, arranjador de “Gal” e de boa parte dos trabalhos tropicalistas. — A Tropicália e a bossa nova fundem a música tradicional com o pop num alto nível de pensamento musical. É uma música avant-garde, mas, ao mesmo tempo, verdadeiramente brasileira.
Tributo a Ben Jor
Baseado no soul e no folk, com um toque de gospel, o americaníssimo “Big inner” abre o jogo de sua brasilidade mesmo em “Brazos”, faixa de encerramento em que White repete, por alguns minutos, versos inspirados no refrão de “Brother”, canção feita por Ben Jor quando ainda era Jorge Ben (“Jesus Christ is our Lord/ Jesus Christ, He is your friend”).
— É uma homenagem a Jorge e ao Brasil. É engraçado, ninguém mais no mundo repara nisso — diz esse filho de missionários cristãos, de 30 anos de idade, com voz grave e suave, que não hesita em levar suas questões espirituais para as canções. — “Big inner” é um disco sobre esperança, sobre positividade.
Da cidade de Richmond, no Estado de Virgínia, no Sudeste americano, White despertou para a música em meio à cena local de punk rock.
— Nela, tive contato com a estética do faça-você-mesmo. Bem mais do que com a música punk em si — explica.
Em 2011, criou seu próprio selo, Spacebomb Records, para gravar artistas locais com uma banda base por ele arregimentada. Enquanto fazia arranjos (chegou a escrever sopros para um projeto paralelo de Justin Vernon, do Bon Iver) e produzia discos, White testava as ideias que um dia aplicaria ao seu próprio trabalho. “Big inner” foi lançado em agosto do ano passado pela Spacebomb numa tiragem que não chegou a mil cópias. Mas o disco provocou um burburinho e acabou ganhando uma edição nacional pelo selo Hometapes. De elogio em elogio, quando White se deu conta, o CD tinha ido parar no escritório da gravadora inglesa Domino, de Franz Ferdinand e Arctic Monkeys. Em janeiro, fizeram o lançamento mundial de “Big inner”. E aí o cantor foi convidado para se apresentar na Inglaterra.
— Tive que montar uma banda para fazer shows. Jamais imaginei que um dia ia excursionar com esse disco — admira-se ele. — Tocar ao vivo e gravar discos são duas artes muito diferentes, cada uma com suas vantagens. Meu show tem uma energia toda especial, mas acho que deu para preservar o espírito do disco.
Mais de uma vez, White ouviu comentários sobre o seu visual meio Jesus Cristo (parecido com o de outro cantor tocado pelo transcendente: Jim James, do My Morning Jacket).
— É. Visual parecido com o de Jesus. Ou o de Charles Manson (mentor de um grupo cujos membros assassinaram a atriz Sharon Tate, em 1969). Ou o de um hippie. Ou o de Rick Rubin (produtor fonográfico americano)... Sei lá. Estudei numa escola muito rígida, que obrigava os alunos a ter cabelo curto. Acho que é reação a isso.