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Crítica: em ‘Juliette Society’, Sasha Grey mostra que sabe das coisas

À parte minhas próprias incursões pelo terreno minado da literatura sobre sexo, me intrigou o pedido de uma resenha deste romance que se pretende o “herdeiro literário de Cinquenta tons de cinza”, com boas razões jamais considerado para os cadernos de cultura.

Há uma diferença clara: Sasha Grey é do ramo. E nos pede logo de cara para a gente não se ofender com nada, o que, para mim, significa deixar de fora todo e qualquer preconceito, inclusive o de ler um romance escrito por uma ex-superstar pornô de vinte e poucos anos, que ficou famosa por aceitar fazer de tudo, incluindo a prática de lamber... latrinas. Argh.

E já que falamos em perversões, Sasha Grey confere novo sentido, não a sair, mas a entrar no armário. E subverte a práxis do gênero ao se afirmar como intelectual, citando clássicos do cinema, de Orson Welles a Godard — a narradora de Juliette Society toma seu nome emprestado da protagonista de “A Bela da Tarde” —, preliminares, talvez, de seu texto já negociado para Hollywood. O clímax ocorre numa paródia “materializada” do filme “De Olhos Bem Fechados”, de Kubrick. Arregalados, nesse caso.

“Não sou masoquista, pelo menos, penso que não” — et voilà: Grey define o motivo pelo qual tanta gente gostará de ler seu livro. Fantasias. Repressão.

Acho um alívio hoje em dia a gente se sentir livre para escrever (e ler) sobre tudo isso e sexo também. Só lamento que a literatura sensual, como, aliás, o desejo praticado na vida normal, tenha se fixado nas perversões, deixando de lado o amor, como se “a arte fosse incapaz de qualquer outra coisa, a não ser levantar novas questões”. Um orgasmo estético me parece fundamental, não esteve ausente das clássicas “flores do mal”.

Será que “isso faz falta em nossa vida sexual”? Duvido. Mas concordo que “sutileza é a última coisa que alguém procuraria na pornografia”. Sasha sabe das coisas, passa longe da “sequência mais burra de DNA que habita este planeta”, sua ácida descrição de Paris Hilton. E até discute morfologia, correndo o risco de enquadrar o próprio texto: “bobo, barato e descartável”, como a literatura pornô, não é mesmo?

Isso foi antes, claro, de eu descobrir que “se nunca até hoje ouvi falar na Fábrica de Foda, provavelmente seria melhor que continuasse sem saber do que se trata”. E ainda nem chegamos perto da sociedade secreta, onde, não sem prévio aviso, a coisa descamba para uma violência que me deixa com o coração na mão, coração, eu disse.

Tem quem goste, mas eu acho um perigo.

Cotação: Regular

* Noga Sklar é autora dos livros “sem graus de separação”, “Santa Molly” e “Autorradiografia", entre outros


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