RIO - No fim da tarde desta terça-feira, ao lado de algumas dezenas de produtores negros de todo o país, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, teve seu discurso interrompido, ouviu a proposta de destinar 40% de todo o investimento da pasta para a cultura negra, prometeu criar cotas para os patrocínios das estatais e teve que sair enquanto os participantes apresentavam suas propostas - havia, ainda, cerca de 20 pessoas na fila para falar com a ministra -, sem dar uma resolução final para a razão principal que levou todos ao encontro: a revogação da decisão judicial que interrompeu os editais de apoio à cultura negra, anunciados pelo Ministério da Cultura (MinC) em novembro de 2012.
A reunião aconteceu num teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio. A mobilização dos produtores negros se deve à suspensão pela Justiça Federal de editais no valor de R$ 9 milhões, numa das primeiras ações de Marta como ministra da Cultura. Sob a alegação de que eles representavam uma ação racista, a decisão da Justiça que interrompeu a medida foi publicada no fim de maio e, até agora, o MinC só conseguiu uma liminar permitindo que o processo de seleção siga adiante, mas não tem permissão para pagar os prêmios dos vencedores.
No encontro com os produtores, Marta pediu explicação a um representante da consultoria jurídica do MinC, que veio de Brasília justamente para esclarecer melhor em que pé está o processo.
— Há alguma coisa que possamos fazer para apressar? Pode demorar, né? — disse a ministra, antes de prometer ajudar. — Quando chegar perto da data de pagamento, em agosto, podemos montar um grupo para, juntos, fazermos pressão e agilizarmos o julgamento.
Antes, Marta recebera um documento elaborado pelo movimento de artistas negros Akoben pedindo que se direcionassem 40% do orçamento do MinC para a cultura negra.
— Uau. Eu esperava algum tipo de revindicação, mas 40% não — disse Marta. — 40% não dá, mas prioridades nas ações do MinC dá.
Marta, então, passou a relatar as principais ações do MinC que podem favorecer os produtores negros — o Sistema Nacional de Cultura, o vale-cultura e os Centros de Artes e Esportes Unificados (CEUs) — e começou a traçar um longo panorama histórico a partir da vinda dos negros da África para o Brasil. Então, a ministra, que já havia se atrasado 20 minutos para o encontro, marcado para 16h, foi interrompida por gritos de "isso a gente conhece melhor que você" e "assim não vamos conseguir falar". A palavra, aí, foi passada aos presentes. Na plateia estavam os atores Milton Gonçalves e Antonio Pitanga, os cantores Carlinhos Brown e Chico César (este atualmente secretário de Cultura da Paraíba) e o cineasta Jeferson De, entre outros. A condução da reunião foi feita por Hilton Cobra, presidente da Fundação Palmares, que pediu que os participantes não demorassem mais de dois minutos no microfone para que todos pudessem se manifestar, já que a ministra teria que sair às 18h.
A primeira a falar, porém, durou mais de dez minutos, sem que ninguém reclamasse. Era Mãe Beata, uma Iyalorixá do Candomblé, mãe de santo baiana respeitadíssima na comunidade negra. Mãe Beata lembrou o sangue derramado pelos africanos para construir o Brasil e se dirigiu à ministra:
— Ministra, a senhora está sentada entre dois negros, e a senhora é negra. Peça a seus pares que nos respeitem — afirmou Mãe Beata, antes de começar a cantar e ser acompanhada por todos de pé.
Depois de Mãe Beata, algumas pessoas pediram a palavra para relatar problemas como o abandono das comunidades quilombolas, a ação da polícia nas favelas cariocas, a pressão das bancadas evangélicas no Congresso contra a cultura dos terreiros e o uso indiscriminado da palavra "axé" em propagandas de cerveja. No fim, Marta teve que deixar o encontro às 18h, interrompendo a fila de inscrições entre os produtores que queriam a palavra. Dali em diante a reunião seria conduzida por Hilton Cobra, que, segundo o próprio, passaria o restante das reivindicações para a ministra. Mas, antes, Marta disse que os participantes, muitos deles insatisfeitos por não conseguirem a palavra, tinham o direito de pedir uma audiência com a presidente da República. E deixou uma promessa:
— Estamos pensando em verificar os patrocínios das estatais, para analisar a vocação de cada uma. Vamos mapear esses investimentos para dar uma política de Estado para as estatais. E vamos ter uma cota de projetos para negros nelas.