RIO - A tarde de sol realça o azul das paredes da quadra da Portela. Monarco, honra e glória da azul-e-branco de Oswaldo Cruz, entra pelo portão principal, cumprimenta alguns amigos e diz: “Está vendo? A Portela agora tem sempre a porta aberta”. E emenda com os versos de um samba de Zé Kéti: “Quem é que vem lá? É o povo que diz: é a Portela, a Portela feliz...”. Perto de completar 80 anos, no dia 17 de agosto, Hildemar Diniz está realmente feliz. Ele acaba de ser escolhido o melhor cantor de samba pelo Prêmio da Música Brasileira, mas diz que o melhor presente recebeu há quase um mês, com a vitória, na eleição para a diretoria da Portela, da chapa presidida por Serginho Procópio, filho do legendário Osmar do Cavaco, e que tem ele, Monarco, como presidente de honra.
— Essa alegria não é só minha, está estampada nos rostos das pessoas. Dos portelenses e não portelenses. Agora a Portela vai voltar a ter o espírito dos anos 50 e 60, quando a quadra era um ponto de encontro e a opinião de um portelense era levada em conta. Na feijoada da vitória, havia mais de 5 mil pessoas na quadra, do lado de fora, na Rua Clara Nunes — diz Monarco.
Segundo o sambista, antigos portelense que se afastaram da escola que mais títulos tem no carnaval carioca, 21, estão voltando aos poucos. E isso realmente é significativo se for levado em conta que o último título individual da Portela foi no longínquo 1970, com o enredo “Lendas e mistérios da Amazônia”. A partir daquele mesmo ano, quando o bicheiro Carlinhos Maracanã entrou no poder, a escola ficou distante do seu passado de glórias. Por duas vezes ainda — em 80, quando ganhou empatada com Imperatriz e Beija Flor, e em 84, no polêmico supercampeonato vencido pela Mangueira — a Portela teve o gostinho da vitória. Mas, depois, foi ladeira abaixo:
— Quando o Carlinhos saiu, em 2004, entrou o Nilo (Figueiredo). Eu não apoiei porque me lembrei que o Natal não o apoiou em 1970. E ele sabia o que era bom para a Portela.
Temor pela Velha Guarda
Monarco quer esquecer os quase dez anos da administração passada, que teve momentos tristes, como no desfile de 2005, quando a águia, símbolo da escola, entrou com a asa quebrada e a Velha Guarda foi impedida de desfilar. Mesmo com dívidas de R$ 7 milhões, ele acredita que a Portela vai se reinventar com o retorno de antigos integrantes.
— Lugar de portelense é na Portela. Candeia criou uma outra escola, a Quilombo, mas como protesto às mudanças do carnaval. Nunca para disputar títulos com a Portela.
Monarco imagina uma Portela não apenas de portas, mas de contas abertas, com transparência nas finanças. E num aspecto que sempre foi sombrio na maioria das escolas, a disputa do samba-enredo:
— A Portela vem de dois sambas excelentes, mas muitas vezes o pior ganhou por questões políticas.
A certeza que tem na virada da escola Monarco não tem com relação à Velha Guarda da Portela, grupo criado em 1970 para manter viva a memória de sambas e sambistas.
— Perdemos peças importantes nos últimos anos como o Argemiro, o Jair, a Doca. O Casquinha teve que se afastar, o Cabelinho teve problemas de saúde. Não temos peças de reposição. Alguma hora a Velha Guarda vai acabar.
Mas a festa do sambista não tem data para acabar. Na semana passada, a cereja do bolo veio no Teatro Municipal, quando ele recebeu o troféu de melhor cantor de samba pelo disco “A soberania do samba”.
— A grande comemoração será uma festa na quadra com a velha guarda e portelenses de todas as gerações. Para começar, já convoquei Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho. O grande Rufino, quando perguntado sobre a fundação da Portela, dizia: ”a Portela não foi fundada, ela nasceu com a graça do Divino Espírito Santo”. Acho que tudo isso que está acontecendo é obra dele mesmo — festeja.