“Presidenta, meu Bolsa Família ainda não bateu esse mês.” “Dona Dilma, o prefeito da minha cidade comprou um carro novo. Acho que tem desvio de verba aí.” Dezenas de reclamações e pedidos desse tipo chegam, todo dia, à caixa de e-mails do estudante Jeferson Monteiro. Carioca de 22 anos, ele é o cidadão por trás da página Dilma Bolada, no Facebook, e do perfil @diImabr, no Twitter. De tanto encarnar a presidente com muito humor — e um bocado de exagero —, Jef, como prefere ser chamado, acaba sendo confundido com a própria Dilma Rousseff.
— Muita gente acha que é a Dilma escrevendo, mas faço questão de responder, explicando que é só uma personagem ficcional e linkando à seção “Fale com a presidenta”, do site do Planalto — diz o criador de uma Dilma de ego estratosférico, que adora bordões como “Êta, presidenta maravilhosa!”.
Juntamente com a Dilma Bolada, que tem mais de 200 mil fãs na web, incluindo as “curtidas” no Facebook e os seguidores no Twitter, outras paródias da presidente fazem muito sucesso. O humorista Gustavo Mendes, por exemplo, fez tanto barulho com seus vídeos no YouTube que sua personagem, hoje, tem um quadro no “Casseta & Planeta Vai Fundo”, da TV Globo. Já a Dilminha, protagonista da coluna “Diário da Dilma”, escrita pelo jornalista Renato Terra e publicada mensalmente na revista “Piauí”, é motivo de comentários até nos corredores do Planalto.
Essas três “Dilmas” — a Bolada, a do “Casseta” e a Dilminha — se encontraram pela primeira vez, na sede do GLOBO, onde conversaram sobre a tarefa de encarnar a presidente. Papo vai, papo vem, os criadores das personagens se deram conta de que suas personagens têm um elemento em comum: a surpreendente doçura da terceira mulher mais poderosa do mundo, segundo a revista “Forbes”. Entre uma bronca no ministro da Fazenda, Guido Mantega, e um pito no povo brasileiro, a Dilma de Gustavo Mendes faz o tipo “mãezona”. A Dilma Bolada não perde uma chance de exibir seu lado de diva da moda. Já no diário de Renato Terra, Dilminha se divide entre os grandes dilemas nacionais e dúvidas como o esmalte que vai usar nas unhas.
— Dilma é muito sisuda e séria, então, colocá-la em situações de menininha, comprando maquiagem ou se apaixonando, é o que torna a paródia engraçada — comenta Renato, que tem uma pilha de revistas “Capricho” e “Atrevida” em cima da mesa de trabalho, para usar como fontes de pesquisa.
Para o comediante Gustavo Mendes, parte da popularidade da presidente se deve à qualidade das paródias. E não é só ele que acha isso. Em artigo publicado em agosto, o “The New York Times” enfatizou que o trabalho de humoristas brasileiros como Gustavo Mendes contribui para a grande aceitação popular do governo Dilma:
— Nós humanizamos a figura técnica e, muitas vezes, antipática da presidente. Ajudamos a transformá-la em alguém que o povo brasileiro ama.
Preferindo se manter apartidários, os três cérebros por trás das paródias apenas afirmam que têm “um carinho” pela chefe de estado, e que o compromisso é com o humor, não com o governo ou com a oposição.
— A intenção é fazer graça, e o que tem de mais engraçado na Dilma é essa mistura de mãe, avó, política e zagueira de futebol. Ela poderia tanto governar um país quanto bater a laje na sua casa — define Gustavo.
Durante a conversa, as “Dilmas” ainda combinaram de tentar marcar uma audiência com sua musa inspiradora.
— Será que ela gosta das nossas paródias? Eu gostaria muito de saber o que ela pensa — questiona Renato.
A revista entrou em contato com a assessoria da Presidência da República para tirar a dúvida, mas até o fechamento não houve resposta. Renato, Gustavo e Jeferson prometem fazer uma campanha pela realização do encontro com a mineira de Belo Horizonte.
“Temos a mesma cara de bolacha”
Hoje famosas e com ambições tão grandes quanto um encontro com a presidente, as paródias de Dilma começaram modestas, ainda em 2010. Antes de ser um quadro no “Casseta & Planeta Vai Fundo”, a interpretação de Gustavo Mendes era veiculada só na web. A personagem nasceu a partir de outra que o ator mineiro já costumava interpretar: Margarida Salomão, candidata à prefeitura de Juiz de Fora, cidade onde o comediante nasceu e foi criado. Só foi preciso ajustar um trejeito ou outro. Assim que fez o vídeo de teste, o humorista notou que a versão daria certo.
— Fazer o quê? Eu sou parecido com a Dilma, né? Nós dois temos essa cara de bolacha. E o sotaque mineiro também ajuda — pondera Gustavo.
A característica mais forte da Dilmandona Rousseff, retratada pelo humorista, é o estilo briguento. As broncas bem-humoradas respingam em todos os ministérios e também no povo brasileiro. Mas Gustavo nem liga para quem acha que sua Dilma é feroz demais.
— Uma senhorinha com a bolsa debaixo do braço esperando o ônibus no ponto é tudo o que a Dilma não é. Ela é uma mulher forte, que sofreu com a ditadura — defende-se, respondendo a críticas de quem acha que a personagem passa uma imagem negativa da presidente. — Muito pelo contrário. Nas paródias, ela é muito carismática. A militância tem que nos amar.
Após 89 apresentações de seu espetáculo de stand-up comedy “Mais que Dilmais” em 2012, Gustavo reconhece que grande parte do seu sucesso vem da paródia de Dilma. Mas o ator avisa que o personagem não deve continuar na TV em 2013, já que “Casseta & Planeta Vai Fundo” não terá nova temporada.
— Ainda estou estudando o que vou fazer na Rede Globo no ano que vem. Já cansei da personagem da Dilma e tenho vontade de partir para outras ideias, mas não vou deixar a presidenta morrer. Ela vai voltar à internet — garante o comediante.
Passando para o papel, o “Diário da Dilma” é inspirado numa coluna de humor semelhante sobre a ex-primeira dama francesa Carla Bruni, que costumava ser publicada no jornal francês de humor “Le Canard Enchaîné”. A ideia partiu do então editor da revista “Piauí”, Mario Sergio Conti, mas é Renato Terra que, todo mês, passa dois dias imerso no noticiário nacional e em revistas adolescentes para compor o diário da personagem Dilminha de acordo com a agenda cumprida pela presidente na vida real.
Entre um compromisso oficial e outro, a Dilma criada por Renato se preocupa bastante com o seu visual nas fotos publicadas pela imprensa e sonha acordada com seu príncipe encantado, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão.
— O universo da Dilma é tão rico justamente porque ele é muito fechado. Esse mistério todo permite que a gente se sinta livre para criar em cima dele — justifica Renato. — Por isso, as paródias são extremamente autorais. Não são imitações da presidente, mas personagens criados a partir dela.
O cargo de “ghost-writer não oficial” de Dilma caiu como uma luva em Renato. Depois de dois anos escrevendo o diário, o jornalista, responsável também pelo blog de humor “Piauí Herald”, muitas vezes se pega lendo o jornal pelos olhos da Dilminha.
— Uma vez, minha mulher comentou com alguém que eu escrevo o “Diário da Dilma”. A pessoa respondeu: “Nossa, adoro a coluna! Mas achava que o tal Renato fosse gay.”
Além das revistas teen e dos notíciários, muitas informações de bastidores servem de material para Renato:
— Muita gente nem imagina. Há histórias ali que parecem brincadeira, mas são informações exclusivas que eu recebo.
Assim como a personagem Dilminha, a presidente real pediu mesmo a Selton Mello um DVD com os episódios da primeira temporada do seriado “Sessão de terapia”, ao receber o ator, que dirige o programa, no Palácio do Planalto, em março.
Já o comediante Gustavo Mendes garante que as flores favoritas da chefe de governo são orquídeas, e que a estadista passou um pito na comitiva presidencial durante a viagem a Nova York, em setembro deste ano. E teria proibido os integrantes de seu séquito de voltar para casa cheios de bugigangas.
“Se fosse como Hebe Camargo, não imporia respeito”
No início de sua carreira “vestindo a saia” de Dilma, Gustavo mantinha contato com a militância do PT para conseguir informações exclusivas. Foi assim que descobriu que, segundo ele, a presidenta nutriria uma antipatia pelo ex-ministro José Dirceu.
— Hoje, não preciso me esforçar tanto. As fofocas caem no meu colo — comenta o humorista, que passou a devorar o noticiário político depois que se tornou intéprete da governante petista.
Quando não está na faculdade estudando administração ou no seu estágio, na produtora Bananeira Filmes, Jeferson Monteiro, morador de Mesquita, na Baixada Fluminense, diverte os internautas encarnando uma versão “bolada” da presidenta. Hoje, metade da rotina do criador da página “Dilma Bolada” no Facebook e do perfil @diImabr (o “L” é, na verdade, um “I” maiúsculo) do Twitter é dedicado a criar declarações.
A governante imaginada por Jef tem um cachorrinho chamado Boladinho, gosta de se arrumar para as ocasiões de festa e se sente uma diva soberana. Ela também não cansa de ressaltar que o Brasil é um país rico.
— Uma vez, o marqueteiro do PT, João Santana, disse que a Dilma era uma rainha no trono. E é exatamente assim que eu a vejo — define o jovem.
Jef, porém, acredita que Dilma é bem diferente na realidade:
— Ela deve ser simpática, mas sem dar muita liberdade. Afinal, precisa agir de acordo com seu cargo. Se fosse fofinha como a Hebe Camargo, não imporia respeito.
Apesar de haver muitas empresas loucas para anunciar nas páginas virtuais da Dilma Bolada, Jef não pretende usar a sua glamurosa presidente como garota-propaganda. Ele recebeu até proposta de “uma pessoa ligada a um partido político” para comprar os direitos autorais de sua criação.
— A Dilma não está à venda — afirma.
Mesmo sem gerar dinheiro diretamente, os perfis da chefona já renderam ao estudante um emprego. Ele foi contratado para gerenciar as redes sociais na Bananeira Filmes graças à fama na internet. Mas, para o estudante, a maior retribuição de seu empenho é encontrar “dilmetes” que entram para valer no universo criado por ele.
— Me realizo quando as pessoas pedem para ouvir mais histórias sobre a empregada doméstica do Planalto, a Marcela (Temer, mulher do vice-presidente, Michel Temer), ou perguntam como estão as emas criadas pela presidenta no quintal. Os brasileiros que moram fora do país são os que mais se entregam à brincadeira — conta o rapaz, que também tem fãs latino-americanos. — Recebi um recado de alguém dizendo que tinha depressão, e que sua única alegria era acompanhar os posts da Dilma Bolada. Saber que posso levar felicidade para as pessoas é demais.
Diferentemente de Gustavo Mendes, Jef não pretende largar sua Dilma Bolada tão cedo. Em janeiro, ele estreia um blog, com textos maiores, contando aventuras inéditas da presidente no poder. Caso a nova plataforma seja um sucesso, virá por aí um livro, com outras histórias:
— Mesmo dividindo a minha vida com a Dilma Bolada, ainda chamo essa atividade de lazer. Acima de tudo, me divirto.