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O vaivem de Yo-Yo Ma

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RIO - Vindo do Chile, o violoncelista franco-americano Yo-Yo Ma, vencedor de 16 Grammys e celebridade de seu instrumento, chegou ao Rio na quarta-feira. É sua terceira vinda à cidade. Ele faz recital nesta sexta, às 20h30m, no Teatro Municipal, com a pianista Kathryn Stott, pela série O GLOBO/Dell’Arte. Interessado em sair do eixo Rio-São Paulo, pediu que Salvador fosse incluída nesta turnê. Em entrevista por telefone, ele falou de música, problemas sociais e seu vaivém pelo mundo.

Quando o senhor veio ao Rio pela primeira vez, em 2007, se disse empolgado para conhecer a cidade. Suas expectativas foram cumpridas?

A viagem ao Rio excedeu minhas expectativas. Parece que a cidade estará no centro do universo nos próximos anos, certo? Você acha que as pessoas vão enlouquecer com questões como trânsito e infraestrutura?

Há uma certa preocupação, pois o trânsito já é ruim em dias normais. Que impressões o senhor teve daqui?

A beleza da cidade e a ameaça da humanidade oscilam juntos, e isso é parte da mágica. Adicionando-se a complexidade de uma Olimpíada, é como um intrincado sistema nervoso que precisa lidar com uma variedade de gente que virá para os eventos. Mas, quer saber? Eu acho que vocês vão dar conta.

O programa do seu recital é bastante diversificado. Como foi montá-lo?

Parece um programa diversificado, mas, para mim, não é um amálgama de diferentes tipos de música, e sim partes do espectro do que se pode dizer através da linguagem musical. Há, obviamente, um aspecto ibérico e mediterrâneo na primeira metade do concerto. A peça de Stravinsky tem um estilo italiano, usando uma forma de dança. Com essa obra, ele redescobriu como a música pode ser e como a criatividade pode ser estimulada pelo encontro de estilos musicais de origens diversas. Foi o mesmo com Villa-Lobos, que bebeu de diferentes fontes e as combinou num formato original. Pode-se dizer o mesmo de Piazzolla e Camargo Guarnieri. Eu sinto e espero que os ouvintes também sintam que o clássico e o popular se juntam bem nessas peças.

A segunda metade é totalmente europeia, certo?

Tem obras de Messiaen e Brahms. A de Messiaen tem algo de muito especial, algo que, na minha opinião, constitui o maior objetivo da música e dos próprios musicistas: transcender a técnica. Nós praticamos exaustivamente para não ter que pensar em técnica quando tocamos num concerto. Messiaen me remete a isso, a exprimir algo muito maior do que nós mesmos. Brahms passa a mesma sensação de tentar atingir algo além do alcance.

Esta entrevista está ocorrendo duas semanas antes do recital. Com uma rotina de trabalho planejada com antecedência, pode ocorrer que, ao chegar a hora de um recital, o senhor já não queria muito tocar a obra previamente escolhida?

Eu tento não me planejar com muita antecedência e não toco muitas vezes as mesmas obras. Kathryn e eu não tocaremos este programa do Rio infinitamente. Eu procuro evitar o tédio.

Enquanto toca, o senhor pensa nas notas musicais ou em memórias e imagens que a música inspira?

Tento ativar minha imaginação para criar uma narrativa. Em termos de raciocínio, há duas coisas em que me concentro. A primeira coisa é ter a maior perspectiva possível, um quadro geral. A segunda é focar no momento em questão. Se você me interrompesse no meio da execução e me perguntasse o que está passando pela minha cabeça, eu responderia que estou pensando em como a apresentação está indo, se as pessoas estão gostando da narrativa que estou contando ou estão entediadas. Eu considero essencial aproveitar o momento, de modo que seja uma experiência memorável para todos, inclusive para mim. Quando toco, é como se eu dissesse para o público: ouçam como essa passagem é legal. Pode ser um semitom (menor intervalo existente entre duas notas), mas, se você o imbui de significado, as pessoas se lembrarão daquilo quando reaparecer em outro momento da obra. Também há momentos em que não quero atrair atenção para o que estou fazendo, mas para o que um parceiro está tocando. Assim se constrói uma narrativa.

A música clássica feita hoje tem qualidade semelhante à de eras passadas?

Para responder isso seriamente, eu teria que conhecer toda a música feita no passado e no nosso tempo e, até conseguir realizar isso, eu já estaria morto ou com problemas de memória. Mas eu acho que cada era produz coisas diferentes, porque as pessoas são crias de suas eras. Os valores e prioridades dominantes de cada era são diferentes. O contexto é importante. Uma progressão harmônica no século XX é diferente do que era para Schubert, no início do século XIX. Quando ele faz um intervalo de semitom pode estar passando de um universo a outro. Se eu olhar com uma ótica neutra, do século XX, é apenas um semitom. O intérprete é que dá significado a isso.

Isso requer muito estudo...

Há três grandes valores que são essenciais para qualquer músico. O primeiro é que não interessa em que campo você atua, mas você deve conhecer a fundo aquilo que faz. O segundo é ser capaz de trabalhar com qualquer um oriundo de qualquer tradição no mundo, ser capaz de entender sistemas de valor diferentes do seu e fazer concessões e ajustes para trabalhar em conjunto. O terceiro valor é a habilidade de transferir seu conhecimento para outras pessoas.

O senhor tem vários projetos que vão além da música clássica. Qual é o limite entre ousar fazer algo novo e incorrer em mau gosto?

Há um limite além do qual eu não gostaria de ir. Ou melhor, uma fronteira além da qual a compreensão não chega. Mas o que é mau gosto para alguém pode ser considerado uma qualidade por outrem. Se eu tocasse uma suíte de Bach com um monte de apetrechos, seria mau gosto. Mas, se eu fizesse isso há 40 anos, seria mais aceitável. Os tempos ditam o que é aceitável ou não. Nós, agora, estamos tão acostumados com performances de música antiga com instrumentos de época que temos algo em nossos ouvidos que nos faz estranhar quando ouvimos algo fora desse padrão.

Quanto tempo o senhor passa viajando?

Eu ainda viajo mais de seis meses por ano. Meus filhos têm 30 e 27 anos, mas eu ainda me sinto responsável por eles. Adoro quando posso estar em casa com minha família, adoro passar tempo com minha mulher e receber amigos.

O senhor já se aventurou na seara do rock?

Ocasionalmente. Adoro tocar rock. É muito divertido. É um gênero com muita força. Quando fui ao Cazaquistão, toquei durante 15 minutos com uma banda chamada Roksonaki e foi um barato.

O senhor ouve os próprios CDs no seu tempo vago?

Não.

Que compositor tem a melhor escrita para violoncelo?

Isso é difícil. Bach escreveu maravilhosamente para o violoncelo. Há muitos compositores que foram inspirados por violoncelistas, como Shostakovich, Prokofiev e Britten. Acho que Villa-Lobos também foi inspirado por um grande violoncelista, Aldo Parisot.

Que instrumento o senhor trará ao Brasil? O Stradivarius?

Não. O Petunia (instrumento feito em 1733 por Domenico Montagnana).

O senhor sempre esteve envolvido em projetos com o objetivo de juntar culturas diferentes. Atualmente, existem várias causas sociais na berlinda, como casamento gay, imigração e tolerância religiosa. Qual assunto o mobiliza mais?

A questão com a qual mais me preocupo é que tipo de educação precisamos e para qual mundo. Em todo lugar do planeta, as pessoas se perguntam de que tipo de força de trabalho precisamos para o século XXI. A resposta que chega de várias fontes diferentes é a mesma: precisamos de uma força de trabalho colaborativa, imaginativa e inovadora. Se é disso que precisamos, a próxima pergunta é: como chegar a isso? Eu defendo que através da música, do teatro, da dança, das artes performáticas, podemos estimular essas qualidades nos nossos futuros trabalhadores. E acho que os brasileiros têm essas qualidades, especialmente a criatividade. Através da educação, resolveremos as questões polêmicas do nosso tempo, como casamento gay, imigração, tolerância religiosa.

Tocaria na Coreia do Norte, se pudesse ajudar a amenizar a crise com os EUA?

Claro. Acho que a cultura pode desempenhar um papel nas relações internacionais, e eu aceitaria a missão.


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