RIO - Agora é lei. Pelo menos 1% do ISS (Imposto Sobre Serviço) recolhido na cidade do Rio de Janeiro deverá ser destinado à cultura. Às 22h da última quinta-feira, a Câmara de Vereadores aprovou, em sessão extraordinária, o texto que vinha sendo discutido há três anos. Ele substitui a lei vigente até agora — que era de 1992 e fixava o repasse à cultura em, no máximo, 0,38% do imposto arrecadado pelo município. Com a mudança na legislação, o poder de financiamento pula de R$ 14,7 milhões (neste ano) para cerca de R$ 49 milhões já no ano que vem. O salto faz o Rio se igualar em poder de financiamento a empresas do porte da Eletrobras.
— Esta é a lei de incentivo fiscal mais moderna do país — comemora o vereador Paulo Messina (PV), que preside a Comissão de Educação e Cultura da Câmara e que, desde 2009, elaborava o projeto junto a produtores e empresários do setor. — O Rio é a capital cultural do Brasil e quer continuar sendo. Para isso, precisa ter força para apoiar projetos. Até aqui, tínhamos o limite de 0,38%. Agora, teremos pelo menos 1% obrigatório. É um aumento de quase 250%.
Messina lembra ainda que, por conta do limite máximo vigente até esta semana, a cultura carioca não pôde usufruir de cerca de R$ 45 milhões que empresas do Rio estavam dispostas a investir via renúncia fiscal em 2012.
— Elas queriam destinar R$ 60 milhões, mas, como a lei fixava o teto de 0,38%, só puderam ser revertidos para projetos culturais R$ 14,7 milhões. Um desperdício de oportunidade.
Para aderir à nova lei de incentivo, as empresas interessadas em apoiar as artes — e nesse grupo poderão entrar cinema, teatro, dança, artes visuais, circo, moda e outras nove áreas — deverão ter sede no Rio há pelo menos dois anos e obedecer a um teto máximo de renúncia. Ao procurar a Secretaria municipal de Cultura para aderir ao fomento, elas só poderão destinar a projetos culturais 5% do valor total previsto na lei daquele ano (cerca de R$ 2,4 milhões diante dos R$ 49 milhões estimados para 2013, portanto) ou 20% do ISS que ela mesma tiver recolhido no ano anterior. O que lhe for mais conveniente do ponto de vista tributário.
Produtores culturais que quiserem apoio, por sua vez, poderão solicitar até 2% do valor total previsto na lei (em 2013, cerca de R$ 980 mil) para cada projeto que apresentarem. Em contrapartida, serão obrigados a exibir na cidade o que for produzido com o dinheiro e a elaborar uma detalhada prestação de contas.
— É o fim das imensas filas que os produtores culturais tinham que fazer para receber apoio da prefeitura — destaca o secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão. — Todos os projetos que chegarem à secretaria terão sua viabilidade econômica analisada por uma comissão técnica e, se aptos, receberão um certificado de enquadramento que valerá por até dois anos.
Segundo Sá Leitão, a Comissão Carioca de Promoção Cultural será composta de forma paritária por integrantes da administração pública e pessoas de notório saber no setor cultural. Para participar do grupo, todos receberão um salário — ainda a ser fixado — e não poderão apresentar ou estar vinculados a nenhum projeto em análise. Sá Leitão afirma que não haverá espaço para dirigismo.
À exceção de 2013, que terá um calendário especial, a ser definido nos próximos dias, a lei fixa uma agenda para o fomento municipal. A partir de 2014, os produtores deverão inscrever seus projetos na Secretaria municipal de Cultura sempre em maio. Em agosto, será a vez de as empresas se cadastrarem, mostrando interesse em aderir à lei. Até meados de outubro, a comissão avaliadora se debruçará sobre os dois bancos de dados, validará as participações que estiverem dentro dos critérios da lei e distribuirá os certificados. A ideia é os recursos comecem a ser liberados nos meses de janeiro.
— Com essa mudança, o município do Rio vai estar à frente de grandes empresas que patrocinam a cultura em nível federal. Serão R$ 49 milhões para serem gastos por empresas daqui contra os cerca de R$ 50 milhões que a Eletrobras investe no Brasil inteiro — diz Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR). — Vamos ficar muito bem!
Na comparação com outras cidades, o Rio também desponta. Segundo dados das comissões de cultura locais, em 2012, São Paulo repassou à cultura R$ 4,8 milhões por meio de sua lei municipal de incentivo. Para 2013, prevê R$ 4,3 milhões. Belo Horizonte teve R$ 10,7 milhões neste ano e prevê cerca de R$ 14 milhões para o ano que vem. Como a lei carioca está baseada em porcentagem, quanto mais o Rio crescer na oferta de serviços (e isso deve ocorrer no cenário de eventos internacionais que estão na agenda) maior será o dinheiro disponível para a cultura.
— Com mais verba e menos fila para os proutores, certamente haverá mais projetos sendo elaborados — destaca Júnior Perim, coordenador do Circo Crescer e Viver. — A lei vai aumentar a concorrência, é claro. Mas, do ponto de vista prático, é bom que seja assim. A cidade ganha. A cultura ganha. Cada produtor vai ter que mostrar o que tem de melhor para conquistar as empresas.
Perim também chama a atenção para outro fato: a nova legislação deve contribuir para formar e dar corpo ao ciclo da economia da cultura, que tende a se profissionalizar, segundo ele.
O produtor de cinema Diler Trindade enxerga outro possível fruto da lei. Acredita que ela pode levar o Estado do Rio a repensar sua própria legislação de incentivo:
— Hoje o estado permite que uma empresa apoie a cultura renunciando a parte de seu ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Mas a empresa tem que entrar com 20% de dinheiro bom, ou seja, de recurso próprio. Então ganha menos adeptos. O governador Sérgio Cabral entraria para a História se acompanhasse a cidade e repensasse isso.
Moacyr Góes, cineasta e diretor teatral que participou ativamente na elaboração da lei, se diz satisfeito com o resultado recém-saído da Câmara. Faz, no entanto, uma ponderação sobre o papel que a prefeitura deveria exercer na cultura:
— Ela não pode se posicionar como dona dos projetos nem apenas como financiadora deles. O ideal é que vire parceira, buscando sempre um link entre as produções culturais que incentivar e a educação. Afinal, não podemos nos esquecer de que se trata de imposto e de que é preciso exigir uma contrapartida para a população do Rio. A cultura também educa.