RIO - O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) - órgão colegiado de decisão máxima do instituto para as questões relativas ao patrimônio material e imaterial do país - tombou nesta quarta-feira, por unanimidade, o acervo de Arthur Bispo do Rosário. A coleção principal é formada por 805 peças, entre elas estandartes, indumentárias, vitrines, fichários, móveis, objetos (recobertos com fio azul ou não) e vagões de espera. O acervo é composto por peças elaboradas em diversos materiais, como vidro, madeira, plástico, tecidos, linhas, botões, gesso, e diversos itens recolhidos do lixo e da sucata.
Pela manhã, o mesmo conselho, em reunião no Forte de Copacabana, tornou a literatura de cordel Patrimônio Cultural do Brasil, como adiantou Marina Caruso, em sua coluna no GLOBO. Na quinta-feira, os conselheiros voltam a se reunir no mesmo local para discutir os pedidos de proteção de mais quatro novos bens, representantes da diversidade cultural do Brasil: o tombamento dos terreiros de candomblé Ilê Obá Ogunté Sítio Pai Adão, do Recife (PE), e Tumba Junsara, de Salvador (BA), além dos registros como Patrimônio Cultural do Brasil da Procissão do Senhor dos Passos, em Florianópolis (SC), e do Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo.
LEIA MAIS:
Obra inédita de Bispo do Rosário será exposta no Rio
Em nova exposição, Bispo do Rosário como ícone da resistência negra
— Acho que falta ao nosso povo tomar o reconhecimento dessa obra que, inicialmente, veio de fora. A vitória foi acachapante porque o trabalho dele é muito impactante e comparado a grandes artistas visuais. Isso tocou todos os conselheiros e, por conta da excepcionalidade da obra, mesmo que produzida em um processo de loucura, tem elementos expressivos de uma forma muito contundente e avassaladora. Mesmo sem formação técnica, ele era um artista nato — disse a presidente do Iphan, Kátia Bogéa.
stest
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural reúne 26 conselheiros, de representantes de órgãos como os ministérios da Educação, das Cidades, do Turismo e do Meio Ambiente; do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), entre outros. Do total, 20 conselheiros participaram da votação, além da presidende do Iphan, Kátia Bogéa, totalizando 21 votos pelo tombamento da obra.
O sergipano Arthur Bispo do Rosário Paes era natural de Japaratuba, no interior do estado, onde nasceu em 1909. Foi marinheiro e boxeador de 1926 a 1932, e empregado doméstico no bairro de Botafogo no fim da década de 30. De acordo com os registros, ele teve seu primeiro surto de esquizofrenia em 1938, quando peregrinou por igrejas do Centro se dizendo um messias. Foi fichado e preso pela polícia, tendo sido conduzido, primeiramente, ao antigo Hospício Pedro II, na Praia Vermelha.
Após um mês, foi conduzido à Colônia Juliano Moreira, lugar que se confunde com a sua arte, onde permaneceu por mais de 50 anos como o "paciente 01662", até sua morte, em 1989. Foi neste período que ele começou a produzir seu trabalho, como mantos, bordados e tiras de tecidos pasteisem que escrevia frases, poemas e manifestos, tudo feito com o que encontrava no lixo e na sucata do complexo manicomial.
"Qual a cor da minha aura?" era a pergunta que dirigia aos visitantes das celas de que tomava conta e onde guardava suas obras. Um dos destaques é o Manto da Apresentação, peça bordada que ele dizia ser a sua vestimenta para o Juízo Final.
Hoje, Bispo do Rosário é considerado um dos maiores expoentes da arte contemporânea brasileira e mundial. Após sua morte, teve sua primeira exposição individual, no Parque Lage, e peças expostas em São Paulo, Veneza, Lyon e no Victoria and Albert Museum, em Londres, entre outras cidades.
No ano passado, o Manto da Apresentação esteve exposto na fundação La Maison Rouge, em Paris. No carnaval deste ano, Bispo do Rosário foi homenageado pela escola de samba Acadêmicos do Cubango em seu desfile da série A ‘O Rei que bordou o mundo’. Em 2014, sua história foi retratada no filme "O senhor do labirinto", de Geraldo Motta Filho e Gisella de Mello. Ele foi interpretado pelo ator Flávio Bauraqui.
FOTOGALERIA: Veja imagens das fantasias da Acadêmicos do Cubango em homenagem a Bispo do Rosário