RIO - Alguns dias antes do lançamento de seu livro de memórias “In Pieces” (“Em pedaços”, na tradução literal) — marcado para esta terça, dia 18, nos Estados Unidos — Sally Field ainda não tinha certeza se queria publicá-lo. Ela sentiu a mesma indecisão ao longo dos mais de seis anos em que passou trabalhando nele.
— Eu não sabia que tinha uma voz — disse ela, de modo suave, em uma conversa recente.
Mas Sally sentiu-se compelida a dizer algo quando, em 2012, fez um discurso na Women and Power, uma conferência voltada para mulheres organizada pelo Omega Institute, em Rhinebeck, no estado de Nova York. Em vez de tecer comentários iniciais, ela compartilhou com a audiência uma reflexão sofisticada sobre o laboratório que fez para encontrar Mary Todd Lincoln, a mulher do presidente americano, que viveu no premiado “Lincoln”, de Steven Spielberg, pela qual foi indicada ao Oscar, e a relação com sua mãe, Margareth, que morreu de câncer em 2011.
Logo depois de saber que o papel de “Lincoln” seria mesmo dela, a atriz fez um jantar para Margareth. Na ocasião, contou pela primeira vez sobre como havia sido abusada sexualmente por seu padrasto quando criança.
Foi difícil para a mãe da atriz ouvir da filha que não havia sido um ato isolado, e sim uma série de abusos que atravessara toda a adolescência de Sally. Mas, na manhã seguinte, Margareth, mesmo com a saúde abalada, assegurou à filha que ela não estaria mais sozinha em sua dor.
Ao recordar a experiência de tratar do tema em um discurso público, a atriz afirmou:
— Estava tremendo toda. Mas me senti fortalecida por aquela massa sem rosto de pessoas desconhecidas. Quando coloquei tudo para fora, senti que elas me deram algo de volta.
“In Pieces” dificilmente pode ser considerada uma autobiografia tradicional, apesar de mergulhar em alguns dos mais famosos papéis de Sally, duas vezes premiada com o Oscar de melhor atriz, e em alguns dos seus relacionamentos com celebridades — como o que teve com o ator Burt Reynolds, morto no último dia 6 de setembro. No livro, a atriz também conta como criou três filhos de dois casamentos que terminaram em divórcio.
A vida que Sally revela ao longo de “In Pieces” foi obscurecida por abusos e crueldades infelizmente comuns entre mulheres, tanto dentro quanto fora da indústria do entretenimento.
O livro também revela uma trajetória marcada pela vontade da atriz de sondar as profundezas de seus sentimentos. Sally disse que esse desejo se tornou mais agudo após a morte da mãe, que criou a família no sul da Califórnia e atuou em filmes como “O Homem do Planeta X” (1951).
“ELE PARECIA SER MÁGICO”
Depois que Margaret Field pediu o divórcio do pai de Sally, Richard, no mesmo 1951, ela se casou novamente, um ano depois, com Jock Mahoney, dublê e ator, mais conhecido pelo apelido de Jocko.
“(...) teria sido muito mais fácil se Jock não fosse nada além de cruel e assustador. Mas ele não era. Ele conseguia ser mágico, o flautista que nossa família seguia em transe”, escreve Sally no livro.
O padrasto também frequentemente convocava Sally para ir, sozinha, ao quarto dele. Sally disse que os abusos só pararam depois que ela completou 14 anos. Sua mãe se divorciou de Mahoney em 1968, e ele morreu em 1989.