DUBROVNIK, Croácia — O inverno está chegando. Mas Katja Seref não sente nenhum medo quando ouve essas palavras, pronunciadas como um aviso soturno em "Game of Thrones".
— Sinto alívio. Significa que vou poder descansar um pouco — diz Seref, ainda usando seu vestido azul de khaleesi, o traje de uma das personagens que tentam governar os Sete Reinos, após mais um dia cansativo liderando outra turnê para fãs da série em Dubrovnik, na Croácia.
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Todos os verões, verdadeiras hordas chegam à linda cidade croata a beira do Mar Adriático. As multidões são atraídas pela mesma beleza mágica que chamou a atenção dos olheiros de Hollywood que a escolheram para ser o cenário de Porto Real, a capital do mundo ficcional de Westeros, na série de sucesso da HBO.
Só que o exército de turistas empunhando paus de selfies já começa a ameaçar o paraíso que os atraiu – mesmo porque é difícil notar a majestade sublime deste lugar quando se espera em uma fila interminável simplesmente para entrar na cidade. Saiba quais séries de TV chegam ao fim em 2019
Nos últimos anos, as multidões cresceram tanto que Dubrovnik em julho se tornou sinônimo de "overturismo", uma situação compartilhada por muitos dos lugares mais belos do mundo. Das avenidas de Barcelona, na Espanha, até os canais de Veneza, na Itália, autoridades locais lutam para lidar com um problema semelhante: ser amado demais, quase até a morte.
Além do excesso de gente, as queixas dos habitantes de pontos turísticos disputados incluem o efeito no mercado imobiliário e preocupações com visitantes desrespeitosos. O descontentamento local pode aumentar com o número de viajantes. A Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas estima que haverá 1,8 bilhão de viagens turísticas internacionais até 2030 — em 2016, foram 1,2 bilhão.
ENFRENTANDO A MULTIDÃO
Diante disso, as autoridades em Dubrovnik começaram a enfrentar a multidão. Este verão, pegaram pesado com os vendedores de rua, limitaram o número de mesas de restaurantes ao ar livre, que aglomeravam os becos antigos e – o mais importante – procuraram exercer um maior controle sobre os navios de cruzeiro que despejam milhares de passageiros, inundando a cidade velha, considerada patrimônio mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Este ano, a cidade limitou o número de pessoas que poderia deixar os navios em um determinado momento. No próximo verão, pela primeira vez desde que começaram a chegar ao porto, há quase duas décadas, os cruzeiros vão precisar ter autorização para atracar. É uma tentativa de encontrar o equilíbrio certo entre receber bem os turistas – e seu dinheiro – sem se sentir oprimido.
— Não há uma solução única para todos os destinos, mas é preciso começar com o reconhecimento do problema — disse o prefeito de Dubrovnik, Mato Frankovic.
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Assim como não há uma única solução, não há um tipo único de turista em Dubrovnik. Você pode encontrar aqueles que vêm para passar o dia, famílias de férias, pessoas em excursões de cruzeiro, fanáticos por história, festeiros e, em um fenômeno relativamente novo, os "set-jetters".
Estes são os que viajam pelo mundo em busca do local real de seu universo fictício favorito – e nos últimos anos não houve atração mais poderosa que as utilizadas nos Sete Reinos de "Game of Thrones".
CIDADE TRANSFORMADA EM PALCO
Em 2015, Dubrovnik recebeu 300 excursões relacionadas à série; em 2017, 4.500. Este ano, o número já está 180% mais alto, de acordo com autoridades do turismo. Seref, que guiava passeios históricos da cidade antes de "Game of Thrones", sempre se espanta com as perguntas que ouve.
Por exemplo, ela perdeu a conta do número de pessoas que querem saber quanto tempo a HBO levou para construir as muralhas da cidade. Seref educadamente informa aos fãs que as defesas datam do século XIII.
Ela faz questão de não apenas levar as pessoas para os locais das cenas famosas do seriado – como a caminhada da "vergonha" de Cersei Lannister (Lena Headey) –, mas de mostrar algo mais, o lado engraçado e curioso de se viver em um lugar que se transformou em um palco.
Quando os passageiros a bordo do Karaka – um navio de madeira meticulosamente restaurado usado no seriado – se revezavam para se vestir como seus personagens favoritos enquanto navegavam em torno da cidade, Seref contou como uma atriz pediu que "todas as meninas croatas bonitas fossem substituídas por outras, mais feias", para não ofuscá-la.
Ela fez referências frequentes à quantidade surpreendente de dinheiro gasto para produzir o que no fim seria um minuto ou dois de filme. Mais tarde, após o fim da turnê do dia, descreveu a relação da cidade com Hollywood como complicada, mas boa. Elogiou a HBO pelo respeito que a equipe mostrou ao povo e à cidade. E notou que, durante cerca de seis anos, o seriado fora uma ajuda necessária durante o inverno, quando as multidões não aparecem.
MENOS CRUZEIROS
Mas, quando as ruas vazias do inverno apresentam seus próprios problemas às autoridades da cidade, a lotação do verão é uma questão mais urgente e imediata – e a indústria dos cruzeiros é o foco da maior frustração.
Logo após vencer a eleição em junho de 2017, Frankovic tomou medidas para reduzir o número de passageiros diários desses navios que chegam à cidade velha para quatro mil por dia no próximo verão – metade dos oito mil recomendados pela UNESCO e muito menos que os mais de dez mil que chegam em um dia qualquer em julho.
Sentado em seu escritório na parte antiga da cidade, Frankovic se recorda de uma época em que parecia que Dubrovnik não ia sobreviver, muito menos se tornar um ímã do turismo global.
Durante as guerras dos Bálcãs, a Croácia foi um campo de batalha na busca por sua independência da Iugoslávia e, em 1991, Dubrovnik foi sitiada pelo Exército Popular Iugoslavo, controlado pelos sérvios.
Durante meses, os residentes que não fugiram se esconderam enquanto o centro era atacado pela artilharia. Centenas de pessoas morreram, e mais da metade dos edifícios foi danificada.
Só em 1997 que o turismo começou a se fortalecer, disse o prefeito. Em 2000, os navios de cruzeiro começaram a chegar e seus números continuaram a crescer constantemente desde então.
— O problema foi que o turismo não foi gerenciado, simplesmente aconteceu — disse o prefeito.
Depois de assumir o cargo, ele enviou uma carta para a Associação Internacional de Cruzeiros, que representa cerca de 60 linhas, expressando a necessidade de cortar o número de navios chegando ao mesmo tempo. Disse que a indústria de cruzeiros precisava de tempo para reajustar horários, mas que, no próximo verão, a cidade poderia esperar por uma diferença dramática no número de visitantes que toma suas ruas.
Porém, para cada problema que é abordado, um novo surge. Por exemplo, quando Dubrovnik progredia na luta contra a superlotação dos navios, os legisladores croatas liberalizaram as leis dos táxis, e o número de motoristas do Uber cresceu, especialmente ao longo da costa. No ano passado, havia 250 motoristas de táxi em Dubrovnik; este verão, diz o prefeito, há mais de 1.200. As ruas simplesmente não comportam o tráfego.
Para os empresários locais como Gerda Metkovic, que dirige o Malvasija Wine Bar na cidade velha, além de limitar os turistas, mais poderia ser feito para promover produtos locais de qualidade.
Embora não existam cadeias como o McDonald's ou o Subway na cidade velha, as ruas ainda são dominadas por mercados de venda de bugigangas baratas e camisetas. O vinho que Metkovic serve vem da vinícola de seu pai, Bozo Metkovic. Ela também produz seu próprio azeite. Na agitação causada pelas multidões no verão, seu bar parece um refúgio.
— É um lugar especial — disse ela de sua cidade natal, de onde os visitantes deveriam levar lembranças que durem mais tempo do que qualquer camiseta. 'Game of thrones': Cinco perguntas sobre Jon Snow