RIO — “Nem Jesus Cristo conseguiu agradar a todo mundo, mas acho que a gente está bem próximo...” A frase é uma das muitas ditas num tom caipira de pilhéria por José Toscano Martins Neto, de 28 anos. E tenta dimensionar o fenômeno em que ele se transformou neste ano, ao lado do amigo de infância Irineu Táparo Vaccari, de 30.
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Dupla sertaneja em atividade desde 2011, Zé Neto & Cristiano são hoje os reis da música no Brasil, tendo ultrapassado Marília Mendonça, a grande estrela de 2017. O canal deles no YouTube é o mais popular do país, superando 2,9 bilhões de visualizações. Eles também são há semanas a atração mais ouvida do Spotify Brasil . E, no último dia 17, tornaram-se os mais ouvidos do Deezer em todo o mundo.
Hoje, Zé Neto & Cristiano fazem cerca de 25 shows por mês. Em julho, no meio da Copa do Mundo, chegaram a cantar às três da tarde em Franca, às sete da noite em Araçatuba, e às onze em São João da Boa Vista. A operação até parece simples quando se descobre que eles têm 42 funcionários à disposição na estrada. Mas é complicada para quem, no fim das contas, é apenas um (ou dois).
— Às vezes falta um dublê — brinca Cristiano. Mix Zé Neto e Cristiano
É fácil entender a popularidade da dupla ao vê-la no palco. No dia 17, por exemplo, eles cantaram para 10 mil pessoas (com ingressos esgotados desde o início do mês) no Villa Country, templo do sertanejo em São Paulo. Ainda não têm tatuagens e guardam muito do verniz interiorano da sua terra: São João do Rio Preto, a 442 quilômetros da capital paulista.
Eles cantam os dramas do dia a dia, com romantismo e certo humor. Coisa de quem ouve um modão daqueles de arrastar o chifre no asfalto (“Largado às traças”) ou considera derreter a aliança de um noivado que terminou (“vou tomar tudo de cachaça/ pra ver se passa e ameniza essa dor/ se aceita ouro no boteco, é pra lá que eu vou”).
NOITE INTEIRA E MAMADEIRA
Um dos grandes especialistas no assunto, o jornalista André Piunti, do site “Universo Sertanejo”, acha que o diferencial da dupla é o repertório sacado entre os principais compositores do mercado. Eles transformaram em sucesso músicas como “Largado às traças”, “Notificação preferida”, “Bebida na ferida”, “Status que eu não queria” e “Mulher maravilha” — uma canção sobre paternidade responsável e apaixonada, que rima “a noite inteira” com “mamadeira”.
— Eles gastam muito tempo procurando músicas. E, quando perceberam que o mercado para cantoras estava esfriando, aproveitaram para lançar o DVD (“Esquece o mundo lá fora”) — analisa André. — Tudo que fizeram deu certo. Hoje, são a maior dupla do país.
Para montar o último repertório, eles dizem ter ouvido mais de 5 mil músicas. E juram que acabaram de gravar um disco já com canções para outro. Em 2016, estiveram prestes a estourar, com “Seu polícia”, mas não conseguiram fazer frente à invasão femineja de Maiara & Maraisa, Simone & Simaria e Marília Mendonça.
— Ali, a gente saiu de um cachezinho de 20, 30 (mil reais) para um de 100 mil e passou um ano e meio numa fase muito boa. Mas nada como é hoje — reconhece Zé Neto.
Diretora artística da Som Livre, gravadora da dupla desde 2015, Tatiana Cantinho costuma dizer que eles “estavam no lugar certo, mas na hora errada”:
— O estouro das cantoras foi tanto que eles ficaram ofuscados. Mas sabíamos que este seria o ano da virada.
Parte da explosão veio com a estratégia digital traçada por gravadora e pela Work Show — uma das maiores empresas de agenciamento de sertanejos do país.
— Com “Esquece o mundo lá fora”, a gente percebeu o potencial. Então soltamos os áudios antes dos vídeos. Aí, quem viu os vídeos e não conhecia as músicas migrou para o áudio — explica João Alves, diretor de Marketing Digital da Work Show, que ainda divulga músicas em grupos de WhatsApp, para compensar falhas no acesso à internet no interior.
Viciados em Instagram (publicam stories e cuidam de seus próprios perfis), Zé Neto & Cristiano se dizem escravos do smartphone.
— A internet chegou antes da educação. Até evito ler comentários. Se você tem cinco mil e dois são ruins, vai ter vontade de responder. Eu fico mal, pra baixo — confessa Cristiano.
Zé Neto, que pode ser visto fazendo declaração de apoio a Jair Bolsonaro no YouTube, reclama:
— Hoje, qualquer coisa incomoda e nada tem perdão.
Eleição à parte, eles querem fazer a própria campanha. E ter a imagem tão conhecida quanto sua música.
— Na toada em que tô bebendo, não sei nem se chego aos 50 anos — brinca Zé Neto, para logo ficar sério: — A gente quer trabalhar nessa pegada por mais dois, três anos. É desumano, mas também é financeiramente gratificante. Depois, penso em tirar o pé um pouco, parar com essa loucura. Ainda não consegui ser pai do meu filho, só o curti pelo celular.