No mês passado, um grupo de pessoas que trabalha no mercado financeiro se juntou a grandes mentes da indústria da tecnologia do Vale do Silício para um jantar exclusivo no Chef Chu's, tradicional restaurante chinês em Los Altos, na Califórnia.
Entre um pedaço de pato ou caranguejo ao molho kung pao, os comensais, em sua maioria americanos de origem asiática e alguns ferozes concorrentes entre si, falavam de um objetivo em comum.
“A pergunta de todos era: 'Como isso pode ser algo bem-sucedido de forma sustentável?'", conta Bing Chen, empresário que organizou o evento.Quando foi a última vez que você viu tantos asiáticos em uma sala de cinema?
O grupo não estava ali para discutir uma startup ou um programa de bolsas de estudo nem mesmo uma campanha política. A tarefa em questão era como transformar um dos mais esperados filmes do verão, “Crazy rich asians” (em tradução livre, "asiáticos ricos", que, no Brasil, vai se chamar "Podres de ricos") em um verdadeiro fenômeno cultural.
A partir daquela reunião, nasceu uma campanha de hashtag de mídia social chamada #GoldOpen, antecipando o lançamento do filme nos EUA, nesta quarta-feira (no Brasil, o filme tem previsão de estreia em 1º/11). Mas só a hashtag não seria suficiente, já que alguns dos que estavam no jantar, no fim das contas, eram, de fato, asiáticos ricos. Trailer de 'Podres de ricos'
Assim, de Nova York a Los Angeles, de Houston a Honolulu, esses líderes da indústria e outros gastaram milhares de dólares alugando dezenas de salas de cinema para exibições especiais do filme antes e durante a semana de abertura. Tal campanha tem como objetivo alimentar o interesse em um filme que pode abrir caminho para uma maior representatividade e presença dos asiáticos em Hollywood, movimento que, dizem os organizadores, assim como os criadores do filme e suas estrelas, vem sendo adiado há muito tempo.
"Marés altas costumam levantar os barcos, então queríamos ver se podíamos ser a maré alta", explica Andrew Chau, co-fundador da Boba Guys, uma rede de bebidas à base de chá. Ele contribuiu para as sessões em San Francisco e no Texas.
Esses patrocinadores vêm gastando entre US$ 1.600 e US$ 5.100 por exibição, dependendo do tamanho do teatro, sua localização e se o filme é exibido durante o horário nobre. Os ingressos têm sido distribuídos gratuitamente para jovens e grupos da comunidade asiática nos EUA, amigos e eventuais VIPs.
"Quando foi a última vez que você viu tantos asiáticos em uma sala de cinema?", questiona Tim Lim, consultor político de 33 anos, depois de uma exibição em Washington na segunda-feira. Seu amigo ajudou a bancar a exibição, e Lim prometeu ver o filme sozinho pelo menos mais três vezes.
"Quero que isso faça tanto dinheiro quanto possível", disse ele. "Vou assistir à versão IMAX, à de 3D e à de US$ 25 para aumentar o custo."
'PANTERA NEGRA' TAMBÉM TEVE SESSÕES TEMÁTICAS
Não é a primeira vez que comunidades organizam sessões fechadas de filmes. No início do ano, grupos escolares afro-americanos, igrejas e empresas compraram ingressos em Nova York e Chicago para assistir a “Pantera Negra”. Em 2008, houve dezenas de exibições coordenadas de “Sex and the City” para grupos de mulheres universitárias e festas de despedida de solteira.
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A campanha de mídia social também lembra outras campanhas de hashtag como #whitewashedOUT e #StarringJohnCho, que lamentavam a falta de representatividade asiática em Hollywood. O slogan #GoldOpen (algo como #AberturadeOuro) foi escolhido não apenas como uma brincadeira para a estreia do filme, mas também, em parte, para misturar e incorporar rótulos raciais como “amarelo” e “marrom”, muitas vezes atribuídos aos asiáticos.
Mas, para manter o tom leve do filme — uma comédia romântica sobre as rusgas de uma professora sino-americana com a rica e fina família de seu namorado, de Singapura —, o #GoldOpen foi criado para capturar a excitação em torno do filme e encorajar o movimento, em vez de criticá-lo.
O filme, cujos custos foram estimados em US$ 30 milhões, deverá ter uma abertura modesta e vender US$ 26 milhões em ingressos até o final de semana, segundo projeções de analistas da revista "Hollywood Reporter". E enquanto a campanha #GoldOpen é independente da produção do filme, o diretor, Jon M. Chu (filho do dono do Chef Chu) e seus atores empreenderam uma estratégia paralela de divulgação. Antes das sessões, as estrelas do filme aparecem em um breve trailer, pedindo aos espectadores que divulguem o filme nas redes sociais.
Alguns até apareceram em uma exibição #GoldOpen em Los Angeles na semana passada, como Adele Lim, uma das roteiristas. Sendo em Los Angeles, a exibição, paga por Kevin Lin, co-fundador do site de streaming Twitch, foi recheada de VIPs: pessoas de dentro de Hollywood, empresários, além dos irmãos de patinação artística olímpica Alex e Maia Shibutani.
EM HOLLYWOOD, ASIÁTICOS SÓ FAZEM FILMES DE ÉPOCA
O público vaiou em uníssono o episódio de racismo na cena de abertura, sussurrou durante a tomada em que aparece a comida de rua de Singapura e se divertiu com o mandarim, o cantonês e o dialeto Hokkien que entraram em alguns diálogos.
Ao fim da sessão, o protagonista, Henry Golding, e outros atores de “Podres de ricos”, incluindo Selena Tan, Harry Shum Jr. e Jimmy O. Yang, apareceram e agradeceram aos participantes pelo apoio.
"Acabamos de conferir no (site que agrega as críticas dos filmes) Rotten Tomatoes", disse Yang à plateia. "No momento, estamos com 16 avaliações e aprovação de 100% delas!" (Na manhã desta quarta-feira, o rottentomatoes.com — um de seus fundadores, Patrick Lee, sendo um patrocinador do #GoldOpen — contou 75 resenhas, 96% das quais consideradas positivas).
Ao sair de uma exibição, na segunda-feira, no coração de Chinatown, em Washington, Lim, o consultor político, disse que não podia acreditar que havia 25 anos desde o filme "O clube da felicidade e da sorte" (de 1993), o último filme de Hollywood com um elenco de maioria asiática sem ser de época.
"É algo que devemos estar estimulando e assistindo mais", continuou Lim. “Espero que, ao mesmo tempo em que isso ainda é raro para mim, seja, daqui uns anos, algo corriqueiro para os meus filhos."