NOVA YORK — Quando era adolescente e morava em Brownsville, no Brooklyn (NY), Akili Tommasino costumava matar aula para visitar obras de arte como a antiga egípcia "Cabeça de esfinge feminina” com buracos no lugar dos olhos, no Museu de Brooklyn, ou a figura de bronze de Umberto Boccioni “Formas únicas de continuidade no espaço”, no MoMA.
NO BRASIL: Artistas negros ocupam museus e levantam debate sobre diversidade
Vagando pelas galerias, Tommasino, hoje assistente curatorial do próprio MoMA, também não podia deixar de notar que os únicos não caucasianos que ele via eram da segurança — só mais tarde, quando estudou História da Arte em Harvard, percebeu que afro-americanos como ele também poderiam ser curadores e até mesmo diretores de museus.
Por décadas, as maiores instituições de arte dos EUA excluíram os não brancos dos cargos de liderança, da curadoria das mostras e até da seleção de artistas exibidos nas paredes.
Agora, dentro do esforço de ampliar os visitantes, em uma época em que o perfil demográfico do país está mudando — e, especificamente em Nova York, diante dos planos da cidade para o financiamento de projetos de inclusão —, um número crescente de museus está encarando o tema da diversidade com um novo senso de urgência.
Do Museu de Arte Contemporânea de Chicago ao Whitney, museu de arte americana, em NY, passando pelo Lacma, em LA, estão sendo contratados cada vez mais funcionários de minorias étnicas, proliferam estágios remunerados e parcerias com fundações e universidades que financiam trabalhos curatoriais, para garantir uma próxima geração de líderes negros e latinos.
"Você de fato vê uma mudança", diz Naomi Beckwith, que acaba de ser promovida a curadora sênior do Museu de Arte Contemporânea de Chicago e recentemente organizou a primeira grande mostra da artista afro-americana Howardena Pindell. Beckwith, uma das vários curadores negras formados no Studio Museum, no Harlem, diz que os museus precisam garantir que curadores negros e latinos "se sintam abraçados e encorajados".
MUDANÇA DE PARADIGMAS
Pessoas negras e latinas não percebem uma carreira nas artes como algo viávelHistoricamente, não tem sido o caso. Segundo um estudo nacional realizado em 2015 nos EUA pela Fundação Andrew W. Mellon, apenas 16% dos cargos de liderança em museus de arte são ocupados por não brancos, embora 38% dos americanos se identifiquem como asiáticos, negros, hispânicos ou multirraciais. Entre curadores de museus, educadores e líderes, o estudo descobriu que apenas 4% são afro-americanos e 3% hispânicos.
"A situação era pior do que quase todos os setores observados", disse Mariët Westermann, vice-presidente executiva da Mellon.
Cientes desta mudança de paradigma, vários museus têm colaborado com programas de orientação, como o Prep for Prep da Academia de Artes da Sotheby's, que Tommasino fundou em 2017 para dar aos alunos desfavorecidos do ensino médio oportunidades no mundo da arte. "Os museus americanos precisam fazer um trabalho melhor na hora da contratação, retenção e promoção de curadores não brancos", disse Tommasino. “Pessoas negras e latinas não percebem uma carreira nas artes como algo viável.”
O Museu de Arte Contemporânea de Chicago vem construindo uma lista inclusiva de curadores como uma forma de atrair um novo público e repensar a narrativa da história da arte, tipicamente enquadrada nos ideais da Renascença Italiana e da Europa Ocidental. "Quem você escolhe para a organização do programa tem um impacto", disse Madeleine Grynsztejn, diretora do museu. "Você é responsável por reparar um cânone."
Os museus tendem a explicar sua falta de diversidade lamentando a escassez de curadores qualificados. Mas os profissionais de arte dizem que os museus só precisam procurar um pouco mais — talvez recorrendo ao novo Programa de Estudos Curatoriais do Spelman College ou ao programa Teen Curators do Schomburg Center for Research in Black Culture. “Nós vamos a escolas estaduais para obtê-las”, disse Elizabeth W. Easton, diretora do Centro de Liderança Curatorial da cidade de Nova York, sobre jovens candidatos a emprego. "Quando as pessoas dizem ser tão impossível, isso não é verdade".
DIFICULDADES PARA ENTRAR NO MERCADO
Para muitos jovens marginalizados interessados em arte, os museus ainda representam autoridade, branquitude e poder — lugares onde não pertencemosPessoas não caucasianas têm dificuldade em entrar neste mercado, enfrentando barreiras que incluem a exclusão de redes informais de orientação, a resistência a perspectivas alternativas sobre a história da arte e obstáculos financeiros: muitos estágios iniciais não são remunerados.
"Tive que recusar uma oferta de assistente de curadoria no Guggenheim em 1999 por causa do salário baixo", disse Christine Y. Kim, atual curadora associada de arte contemporânea no Lacma."Para muitos jovens marginalizados interessados em arte, os museus ainda representam autoridade, branquitude e poder — lugares onde não pertencemos.”
Várias instituições estão tentando reparar essas lacunas. O Lacma, por exemplo, selecionou recentemente dois recém-formados para uma nova bolsa remunerada e se uniu à Arizona State University para um programa de três anos que combina treinamento acadêmico a experiência de trabalho para desenvolver um grupo diversificado de curadores, diretores e outros profissionais de museus.
Em novembro passado, a Fundação Ford, junto com a Walton Family Foundation, destacou um orçamento de US$ 6 milhões para ser gasto longo de três anos em um projeto para diversificar curadores e a gestão de museus de arte em todo o país. A iniciativa financiou 20 programas, incluindo os do Lacma, além de outros no Instituto de Arte de Chicago, no Museu de Arte de Pérez, em Miami, e no Museu de Arte de Nova Orleans.
Darren Walker, presidente da Fundação Forte, declarou: "Os museus não podem atingir a excelência se suas equipes não são diversificadas".
Walker ficou particularmente frustrado ao saber que Denise Murrell, curadora afro-americana com Ph.D., não conseguiu montar sua exposição, que explora a figura negra na arte moderna. Finalmente, com o apoio da Fundação Ford, o programa "Posando na modernidade: o modelo negro, de Manet e Matisse até hoje" está chegando à Wallach Art Gallery, na Universidade de Columbia, em outubro.
"Passei um ano e meio fazendo pedidos de financiamento — não houve interesse, ponto final", conta Murrell. "Se alguém propõe um assunto não esteja dentro dos cânones da história da arte tradicional, você precisa encontrar um patrocinador para levar o projeto adiante."
EM NY, MUSEUS MUNICIPAIS PRECISARÃO SER INCLUSIVOS
Questões de diversidade podem ser divisivas. O Museu do Brooklyn recentemente foi criticado por nomear Kristen Windmuller-Luna, especialista em arte africana do Museu de Arte da Universidade de Princeton, que é branca, como curadora de consultoria de arte africana. Um grupo ativista argumentou que esta decisão perpetuou "legados contínuos de opressão". O museu manteve sua escolha, argumentando que Windmuller-Luna era uma "candidata extraordinária com qualificações estelares".
No Brooklyn Museum, sete dentre os 18 curadores são pessoas não brancas, o que expandiu a programação da instituição. O museu deu a Kehinde Wiley sua primeira individual em 2004, e as primeiras mostras para Mickalene Thomas (2012) e LaToya Ruby Frazier (2013).
“Quando você tem pessoas em uma instituição que tem uma vasta gama de perspectivas, você tem um programa muito mais rico”, diz Eugenie Tsai, curadora de arte contemporânea da instituição, citando “abertura para considerar propostas de exposições, programação, contratações e outras questões que outros grupo talvez descartasse ou simplesmente não considerasse importante".
No ano passado, o prefeito de NY, Bill de Blasio, deu um ultimato às instituições culturais da cidade, vinculando o financiamento futuro à diversidade de funcionários e membros de seus conselhos. Museus municipais devem adotar planos de inclusão até fevereiro próximo ou correr o risco de ter seu financiamento reduzido em 10%.
"O trabalho mais branco em toda a comunidade cultural de Nova York é o de curador", diz Tom Finkelpearl, comissário de assuntos culturais da cidade. "Isso está mudando."
Algumas grandes instituições de Nova York já estão parecendo muito diferentes. O Whitney, de arte americana, contratou, nos últimos anos, quatro curadores não caucasianos: Christopher Y. Lew, Rujeko Hockley, Adrienne Edwards e Marcela Guerrero, e a mostra atual que eles montaram apresenta o trabalho de sete artistas latinos em ascensão.
"É um momento realmente empolgante e esperamos que não seja apenas um momento", disse Hockley, um dos dois curadores selecionados para organizar a Bienal de Whitney em 2019.
O objetivo não é simplesmente contratar mais curadores não brancos ou fazer mais exposições com artistas que representem a diversidade, dizem os especialistas, mas, sim, que os museus alterem fundamentalmente o tipo de arte que adquirem e sua abordagem às exposições, “mudando a forma como nossas histórias são contadas”. diz Thomas J. Lax, curador associado do MoMA.
O programa (da Sotheby's) realmente abriu meus olhos para as várias oportunidades no mundo da arte. Está dando às pessoas negras a oportunidade de brilharDesafiar o cânone não é um jogo de soma zero que exija o abandono dos padrões históricos de arte, ele complementa, mas um movimento que acrescente profundidade à programação. Ao apresentar a narrativa do modernismo, por exemplo, Lax sugeriu que os museus incluíssem a história de artistas do mundo inteiro — como, por exemplo, pendurar um Jacob Lawrence ao lado de um Mondrian. "Não queremos alimentar a ideia de que algo está sendo levado", disse ele.
Se houvesse mais curadores diversificados em altos cargos, argumenta Walker, da Fundação Ford, talvez o marco da Tate Modern “Alma de uma nação: a arte na era do Black Power”, que esquadrinha o trabalho de artistas negros de 1963 a 1983, não teria penado para encontrar um museu americano. (O Crystal Bridges Museum of American Art, em Bentonville, Arkansas, finalmente abrigou a exposição, que vai abrir no Brooklyn Museum em 14 de setembro antes de viajar para o Broad, em Los Angeles.)
"A mostra quase não veio para os Estados Unidos", conta Walker. "Isso é vergonhoso."
Depois de passar o verão conhecendo artistas, críticos e curadores através do Prep for Prep da Academia de Artes da Sotheby's, Liam Garcia-Quish, de 17 anos, um graduado em ascensão do Queens, agora considera se tornar um curador. "Este programa realmente abriu meus olhos para as várias oportunidades no mundo da arte", disse Garcia-Quish. "Está dando às pessoas negras a oportunidade de brilhar."