RIO — Em suas músicas, os artistas do selo e produtora Duto destilam uma essência tipicamente da Zona Norte. Diretamente de Madureira, eles fazem hip-hop, pop e black music, buscando aproximar a cidade — uma característica que pode ser vista na participação de Malía, Dughettu e Ramonzin no projeto Toca no Telhado, em que músicos se apresentam no terraço do GLOBO. Na última semana, o trio esteve numa tarde ensolarada no jornal para gravar a canção "Impávido", composta em parceria com Pretinho da Serrinha, um vizinho sambista que ajuda a mostrar como o Duto está aberto a diferenças.
Toca no Telhado: Dughettu, Malía e Ramonzin
Com seu quartel general situado num bairro conhecido pela extensa contribuição cultural do samba e do jongo, a mais de uma dezena de artistas do Duto expressa o poder de Madureira em exalar energia para outras cantos do Rio. O grupo surgiu em 2015, no encontro de artistas no terraço de um prédio do bairro. De lá, de um coletivo cujos integrantes apenas buscavam um espaço para fazer música, eles evoluíram para uma produtora e um selo musical.
— Madureira simplesmente é resultado de um processo que já vem há algum tempo fomentando numa estrutura alternativa de entretenimento. O bairro acaba representando todo um panorama de subúrbio, tem vários bairros, mas Madureira meio que vive um sincretismo de todos os aspectos do subúrbio, de todos os bairros. Eu acho que é um ponto de encontro entre essas interseções, tem se tornado um pólo muito interessante de se estar — afirma Ramonzin.
Apesar de ter uma história entrelaçada com o samba e, mais recentemente com o charme, Madureira não se detém a inspirar apenas no âmbito musical, garante o trio do Duto. Para eles, o bairro mostra seu viés inspirador em variadas facetas, especialmente pelo aspecto humano.
— Madureira abriga vários outros subúrbios, as pessoas de vários outros subúrbios. Para mim, é muito importante falar dessas pessoas, porque são elas que estão fazendo Madureira acontecer — diz Malía. — Eu acho muito incrível como as pessoas que vão para Madureira são grandes lançadores de tendência, e isso é muito inspirador, muito enriquecedor.
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Em "Impávido", faixa composta pelos artistas Dughettu e Ramonzin em parceria com Pretinho da Serrinha (e com participação de QXÓ e Malía), é invocada uma semelhança em todos brasileiros, que prevalece em detrimento de qualquer outra diferença. O clipe oficial da música foi gravado em duas comunidades de facções rivais, em Madureira. A canção usa um trecho do hino nacional.
— "Impávido" provoca um sentimento que vai além de um só lugar. A gente é brasileiro antes e depois da Copa, antes e depois da política, ou antes e depois de uma guerra urbana. Você sempre vai ser brasileiro, porque você nasceu, você se desenvolveu ali. Quando a gente pegou esse trecho do hino, era uma palavra que tem uma representatividade muito grande dessa narrativa do que é ser brasileiro, e a gente tá precisando construir uma atitude mais cívica, mais comprometida, sair um pouco do papel de só apontar o problema — discorre Marcelo Dughettu, criador do Duto.
Para ele, mais do que igualdade, há uma tendência de fortalecimento do ideal de unidade:
— Existe um discurso que é muito contemporâneo, e acho que a galera compartilha desse meu pensamento, que é a unidade, ninguém está mais pensando em igualdade, o ponto agora é como a gente unifica, porque todo mundo está querendo a mesma coisa. Aí você fala de interesses políticos, econômicos, sociais, mas o fato é que o desejo de estar junto e de virar o jogo é muito grande dentro da galera. "Impávido" tentou trazer isso.
Lidando com o aspecto social como consequência, Dughettu analisa a importância da representatividade através da música para ilustrar todos os desdobramentos sociais recentes:
— Quando você junta artistas, assina com uma gravadora multinacional, começa ter a repercussão de estar num terraço como este do jornal O GLOBO, você começa a ver que há entradas. A música constrói essa imagem, ela ajuda a você ter o modelo, o símbolo, a representação sonora de tudo isso que tá acontecendo.
* Sob supervisão de André Miranda