RIO — A estranheza que a música alternativa exibe no fim desses anos 2010, com batidas, efeitos e manipulações de voz resultantes de utilizações aparentemente irresponsáveis da eletrônica, deve um tanto ao grupo americano Animal Collective. Foi a evolução dos experimentos em seu oitavo álbum, “Merriweather Post Pavillion” (2009), que abriu caminho para que a nova geração se aventurasse sem medo em misturas e procedimentos musicais excêntricos, atualizando o conceito de psicodelia para os novos tempos. Dez anos se passaram e o grupo não abandonou seus princípios, tanto em seus trabalhos conjuntos quanto nos solos de seus integrantes — caso de “Buoys”, de Panda Bear, que tem lançamento mundial dia 8 pelo selo Domino.
— O nome (“boias”, em português) veio de uma memória de quando eu era jovem, estava olhando para o oceano e vi coisas coloridas e brilhantes, que eram armadilhas para pegar lagostas, cada uma pintada de forma específica para que os pescadores soubessem que eram as suas — conta por telefone o músico, cujo nome de batismo é Noah Lennox. — Como acabei falando sobre impulsos humanos em muitas das músicas do disco, pensei que poderia usar a metáfora do corpo como uma boia: um objeto que está na superfície, mas que, lá no fundo, esconde algum tesouro ou segredos. Links Panda Bear
O sexto álbum do Panda Bear nasceu do show que Noah e seu parceiro de Animal Collective Dave Portner (de codinome Avey Tare) fizeram para lembrar o repertório do disco “Sung tongs”, lançado em 2004 pelo Animal Collective. Em agosto do ano passado, o espetáculo chegou ao Rio de Janeiro, no Festival Queremos!, na Marina da Glória.
— As composições do novo disco vieram quando eu estava ensaiando as músicas de “Sung tongs” para os shows. Tinha um bom tempo que eu não tocava violão e tive que reaprender não só as canções mas como tocar violão. Levei tanto tempo para recuperar essa habilidade manual que, no processo, acabei criando melodias e canções — relata Noah, que chega a namorar a bossa nova em “Dolphin”, primeiro single de “Buoys”. — Para alguém que, como eu, aprecia vários tipos de música, acho que essa influência brasileira sempre esteve lá, algumas vezes de forma mais perceptível, outras não. A música da qual eu primeiro gostei foram os sucessos de rádio nos anos 80, depois foi a bossa nova. Panda Bear - Dolphin
Como estava ocupado com as gravações de seu disco do Panda Bear, ele não participou de “Tangerine reef”, álbum audiovisual sobre a devastação dos corais que o Animal Collective lançou em agosto.
— Adoro o disco, e acho que era essa mesmo a resposta que você esperava de mim — ironiza o músico. — Gosto muito dessa forma de trabalhar. Acho que fomos relaxando um pouco nos últimos anos, havia sempre as mesmas três ou quatro pessoas nos discos do Animal Collective, mas nem sempre foi assim. Quando começamos o grupo 20 anos atrás, a ideia era que a banda poderia existir com quantos integrantes se quisesse ter.
Um novo patamar
Noah tem dificuldades em reconhecer o impacto de “Merriweather Post Pavillion” no trabalho de artistas das gerações seguintes.
— Mas se alguém chega para mim e diz que o disco o influenciou, eu acredito — diz. — Ainda gosto dele, mas parece para mim que nós o gravamos há séculos. Tem procedimentos e estéticas ali que estavam sendo experimentadas, e hoje eu aprecio bastante. Em termos criativos, ele estabeleceu um outro patamar para nós. Panda Bear - Buoys (Promo)
Aos 40 anos, casado, pai de um casal, morador de Lisboa, e prestes a iniciar um novo trabalho com o Animal Collective, Noah se considera um sortudo:
— É engraçado porque meus filhos não são lá grandes fãs da minha música. Mas me sinto abençoado.