NOVA YORK — "Homem-Aranha no Aranhaverso" é uma das grandes surpresas da temporada: o novo filme com o herói da Marvel é tanto um sucesso de bilheteria quanto um favorito da crítica (com 97% de aprovação no Rotten Tomatoes) que tem colecionado prêmios, entre eles o de melhor animação no Globo de Ouro e em várias associações de críticos nos EUA, como as de Boston, Chicago, Detroit, Los Angeles e Nova York.
O filme acompanha as aventuras de Miles Morales, um adolescente afro-americano que, após ser mordido por uma aranha radioativa em Nova York, une forças com outros "homens-aranha" de dimensões alternativas.
Um dos motivos do sucesso é o estilo inovador de animação, muito diferente dos outros lançamentos do ano, como "WiFi Ralph". "Aranhaverso" celebra suas origens impressas com gráficos ousados e um estilo inspirado nos quadrinhos, com balões de pensamento, palavras impressas e linhas onduladas para indicar o "sentido de aranha". A.O. Scott, em sua resenha no "New York Times", escreveu que “os personagens se sentem liberados pela animação e o público também”.
Muitos filmes de animação americanos ficaram homogeneizados nos últimos anos por causa dos computadores mais poderosos e dos softwares sofisticados que possibilitam a criação de personagens e cenários muito detalhados: você pode ver cada folha em cada árvore e cada ponto de um suéter. Mas os personagens de todas as formas e tamanhos parecem ter caminhadas, corridas e expressões muito semelhantes.
Os três diretores de “Aranhaverso” — Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman — queriam se afastar dessa mesmice, em parte por Miles ser muito diferente do Homem-Aranha que os fãs dos filmes anteriores do personagem conhecem.
— Por isso o filme precisava parecer novo, para que os espectadores se sentissem vendo o Homem-Aranha pela primeira vez — disse Ramsey. — Não poderíamos nos acomodar nas convenções de filmes de animação mais comuns.
Os altos e baixos do Homem-Aranha no cinema
Muitas dessas convenções estão embutidas nos sistemas que produzem as imagens geradas por computador.
— Em filmes de computação gráfica, muito do que você vê na tela é resultado do desejo de automatizar o processo: simulações para cabelos, tecidos, vento, chuva, etc — explica Persichetti. A decisão de renunciar à tradição "foi muito assustadora, mas também incrivelmente libertadora", segundo ele.
No início, a equipe da Sony Pictures Imageworks, unidade de efeitos visuais e animação do estúdio, ficou cética, diz Rothman: "Pedimos para quebrar o padrão de produção que eles passaram décadas construindo". Mas a Imageworks no fim “abraçou a ideia de Bob e propôs soluções malucas de como fazer as coisas”.
Sem motion blur
Uma das primeiras decisões tomadas foi eliminar o motion blur, termo que descreve o desfoque de movimento. Numa cena de ação real, alguns movimentos são tão rápidos que as imagens aparecem borradas nos frames do filme. A animação por computador pode simular o efeito, dando às imagens uma sensação mais suave. Eliminar o desfoque produz detalhes mais precisos.
— Quando decidimos eliminar o desfoque de movimento, o pessoal da Imageworks disse: 'Isso não vai funcionar, vocês não vão ficar felizes' — lembra Persichetti. — Então respondemos: 'Esse é o objetivo: nos deixe infelizes. E depois descubra uma nova maneira de nos fazer felizes'. Estamos criando imagens incríveis neste filme e queremos vê-las da forma mais clara possível, sem suavizar.
Os artistas tomaram uma decisão ainda mais ousada ao romper com a maneira como a maioria dos movimentos são criados no computador. Normalmente, isso é feito avançando a imagem em cada quadro, 24 vezes por segundo (de um personagem levantando o braço, por exemplo). Esse processo é conhecido como "animação em um". O movimento resultante é fluido e suave, mas pode parecer muito regular.
Tendo trabalhado na Disney com o cineasta vencedor do Oscar Glen Keane (cujos personagens incluem Aladdin, A Fera e Tarzan), Persichetti queria recuperar técnicas de desenho à mão. Na animação tradicional, muito do movimento é feito "em dois": um novo desenho é criado ou a imagem é deslocada a cada segundo quadro. Usar animação em dois deu aos artistas mais controle sobre a velocidade e a potência dos movimentos. Grande parte dos clássicos da Disney e dos desenhos animados da Warner Bros. foi feita "em dois".
Trabalhar "em um" e "dois" permite aos artistas variar o ritmo dos movimentos. Quando um Miles assustado atravessa uma floresta nevada, sua corrida é animada "em um" para enfatizar a velocidade. Quando ele tropeça e cai, ele levanta "em dois", enquanto enfrenta lentamente a gravidade. E quando ele pula de arranha-céu em arranha-céu, a animação traz uma energia que não teria de outro modo. Os próprios movimentos tornam-se excitantes de assistir.
A animação também permite aos cineastas enfatizarem poses dinâmicas que refletem como Miles salta e gira por Manhattan. O roteirista e produtor Phil Lord explica.
— Contar histórias em arte sequencial tem como base a pose principal e passagem de pose em pose e de quadro em quadro. Stan Lee ensinou isso em "Como desenhar quadrinhos no estilo Marvel". Mas mesmo os movimentos mais excitantes se tornam exercícios vazios se não contribuem para o entendimento dos personagens.
Conforme aprende a controlar seus poderes, Miles se movimenta com mais habilidade e confiança. Ele está crescendo no papel de Homem-Aranha, mas também como indivíduo. A alegria de descobrir seus novos poderes e novas amizades se equilibra com a tristeza que ele experimenta em suas aventuras. Seus movimentos e expressões refletem a maturidade.
Durante a produção, uma das diretrizes era “se parece com um filme de animação, não é nosso filme”, diz Persichetti. "Acho que o público respondeu bem por ser algo que nunca viram".
Cada frame, um quadro na parede
Um dos produtores, Chris Miller (que dirigiu “Uma aventura Lego” com Lord), afirma que a equipe tentou "evitar qualquer coisa que parecesse animação padrão”.
— Analisamos muito material de referência e os animadores se colocaram no espelho para entender como um garoto como Miles se comportaria em determinados momentos — diz. — Como poderíamos tornar seus movimentos específicos, e não algo padrão?
Seguir a jornada emocional de Miles já era um desafio, mas a equipe de animadores ainda precisou lidar com um elenco de apoio de homens e mulheres-aranha de dimensões paralelas.
— Eles não apenas parecem diferentes, mas seus estilos de animação são diferentes, diz Ramsey.
Relembrando os anos de produção, Miller se sente satisfeito:
— Os desafios técnicos foram muito mais complicados do que apenas fazer a animação "em dois". Mas as técnicas deram ao filme um visual marcante que enfatizava as imagens individuais. Desde o começo nosso objetivo era que fosse possível congelar qualquer quadro do filme e ele ficasse tão bom que pudesse ser enquadrado e pendurado na parede.