RIO - Apontado por Laéssio Rodrigues de Oliveira como receptador papéis raros roubados de arquivos históricos do Brasil, o colecionador Ruy Souza e Silva escreveu ao GLOBO dizendo-se "indignado" com as acusações "inteiramente mentirosas". Laéssio, conhecido como o maior ladrão do gênero no país, conta que realizou muitos roubos a pedido de Souza e Silva, que afirma ter sido seu maior cliente.
— Jamais "encomendei" qualquer roubo como Laéssio afirma, e não conheço qualquer colecionador que fosse capaz de fazê-lo — diz Souza e Silva, por e-mail. — Laéssio roubou o que lhe parecia fácil de vender, peças que, por sua raridade ou beleza, facilmente seduziriam qualquer interessado ou museu. Desafio Laéssio a produzir qualquer comunicação minha em que lhe peça qualquer roubo. Só possui de mim os cheques pelas peças que lhe comprei em boa-fé quando ignorava que era um criminoso.
Nesta segunda-feira, a Polícia Federal anunciou a devolução de quatro peças roubadas da Biblioteca Nacional (BN) por Laéssio, que estavam em posse do Itaú Cultural. O ladrão afirma que Souza e Silva — ex-marido de Maria Alice Setubal, que vem a ser filha de Olavo Setubal, banqueiro do Itaú — comprou as peças dele.
Em março, Laéssio já havia revelado que oito gravuras do alemão Emil Bauch, de 1852, expostas na instituição paulistana, pertenciam, na verdade, à biblioteca carioca. Peritos foram acionados e confirmaram a informação. Logo a seguir, as obras foram devolvidas à BN. As peças haviam sido adquiridas por Souza e Silva, que alegou tê-las comprado na loja Maggs Bros, em Londres.
'Não sou e nunca fui receptador'
Leia a íntegra da resposta de Souza e Silva:
"Reajo indignado às acusações do ladrão Laéssio Rodrigues de Oliveira que são inteiramente mentirosas e tem como único propósito manter esse réu confesso na mídia. Esse é o principal objetivo de um criminoso que mutilou inúmeras obras preciosas de acervos públicos para arrancar as gravuras e roubou, com sua quadrilha, milhares de peças importantes do nosso patrimônio cultural. A ânsia por fama de Laéssio chega a tal ponto que sugere Daniel de Oliveira e Caio Blat para fazer seu papel num filme sobre sua vida!
É já lamentável que um documentário recente tenha querido glamurizar um criminoso comum apenas porque ele é articulado. É absurdo que se tolere que, para não ser esquecido, invente tudo que possa chamar a atenção da mídia e envolva pessoas e instituições de boa reputação alegando que praticou seus roubos a meu pedido.
Pelo que sei, entre 2003 e 2007, Laéssio e seus capangas pilharam mais de 15 importantes instituições brasileiras, sempre subornando guardas, entre as quais: Biblioteca Nacional, Itamaraty, Arquivo Nacional, UFRJ e Museu Nacional no Rio de Janeiro, e o Museu Paulista e a Biblioteca Mário de Andrade em São Paulo. Já foi condenado a mais de trinta anos de prisão e ao pagamento de danos materiais de R$ 1.455.000 somente em relação a um dos crimes: o roubo da Mapoteca do Palácio Itamarati.
Há dois anos, após ter cumprido diversas penas de prisão, esse criminoso foi preso ao vivo tentando roubar a biblioteca da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), como gravado em vídeo divulgado pela Globo News em 31 de outubro de 2016, na investigação conduzida pela Policia Civil de São Paulo. O que mostra o mal que este sociopata ainda pode fazer ao nosso patrimônio cultural.
A ânsia por fama de Laéssio chega a tal ponto que sugere Daniel de Oliveira e Caio Blat para fazer seu papel num filme sobre sua vida!Depois dos roubos, Laéssio e sua quadrilha espalhavam as peças roubadas pelas feirinhas de antiguidades e usavam vários intermediários para vendê-las aos compradores finais.
Não havia qualquer notícia de roubos nas instituições públicas quando comprei peças de Laéssio Rodrigues no período de 8 meses de outubro de 2003 e maio de 2004 e dei-lhe os cheques em pagamento que agora apresenta.
Julguei tratar-se de mais um dos inúmeros 'sacoleiros' que fornecem aos leilões e às livrarias antiquárias com as peças antigas que obtém junto a famílias ou espólios. Laéssio fora de fato sacoleiro antes de começar sua carreira de criminoso.
Jamais 'encomendei' qualquer roubo como Laéssio afirma, e não conheço qualquer colecionador que fosse capaz de fazê-lo. Laéssio roubou o que lhe parecia fácil de vender, peças que, por sua raridade ou beleza, facilmente seduziriam qualquer interessado ou museu.
Desafio Laéssio a produzir qualquer comunicação minha em que lhe peça qualquer roubo. Só possui de mim os cheques pelas peças que lhe comprei em boa-fé quando ignorava que era um criminoso.
As oito gravuras de Bauch que comprovadamente foram roubadas por Laéssio da Biblioteca Nacional podem ter passado por diversas mãos até alguém vendê-las à casa londrina Maggs, onde as comprei há 13 anos. Foram posteriormente revendidas à coleção Itaú, e expostas no Itaú Cultural por vários anos.
Quando desse lamentável episódio das oito gravuras de Bauch, entreguei em 25 de abril de 2018 uma carta à Dra. Helena Severo, Presidência da Biblioteca Nacional colocando-me à disposição dos seus técnicos e especialistas para realizarem uma visita irrestrita as instalações que abrigam toda a minha coleção de livros, gravuras, mapas e fotografias, localizadas em São Paulo. Este convite fica aqui ratificado na sua plenitude.
Nunca compactuei com qualquer crime. Ao contrário, denunciei junto ao Ministério Público do Rio de Janeiro, em 2005, que me haviam sido vendidas peças recém-roubadas da Biblioteca Nacional. Colaborei ativamente com o inquérito. Devolvi todas as peças furtadas que porventura tenha chegado às minhas mãos tão logo soube de sua proveniência.
Não sou e nunca fui receptador como diz Laéssio. No seu afã de aparecer e conseguir algum lucro, o criminoso me chantageia há seis anos com inúmeras cartas pedindo dinheiro e ameaçando 'sujar' meu nome e o do Itaú Cultural. Nunca caí na sua chantagem. Laéssio tenta agora sua última cartada para fugir do anonimato e 'brilhar' na mídia, que às vezes não distingue os que a cortejam a qualquer custo por estrelismo.
Processei Laéssio por difamação e calunia tão logo começaram suas ameaças e espero que seja punido por mais este crime, e apenas lembrado no futuro como um criminoso deplorável."