RIO — O jornalista e escritor Luis Erlanger é bom de títulos. São dele nomes de novelas de sucesso como "Senhora do destino" e "O cravo e a rosa", dos tempos em que dirigiu a Central Globo de Comunicação. E a partir de um título que bolou — "Cinza, carvão, fumaça e quatro pedras de gelo" — nasceu seu segundo romance, a ser lançado na próxima segunda-feira, na Livraria da Travessa do Leblon.
— Eu sabia que o título seria esse. E a história veio prontinha na minha cabeça — conta Erlanger, que costuma dormir com um bloquinho de anotações na cabeceira, avisando que vai dar um primeiro spoiler do livro. — As únicas coisas inevitáveis na vida são cinza, carvão, fumaça e gelo. A partir desses elementos tudo começa e acaba. Viemos do pó e ao pó voltaremos.
Pois é do gelo que brota a história do protagonista, que acorda gravemente ferido no meio de um lixão, na Baixada Fluminense, acreditando que tentaram matá-lo. Dado como desaparecido, ele começa uma nova vida, com identidade falsa. Em seus planos estão executar corruptos e escrever um best-seller. O tema é contemporâneo. E, no prefácio, Erlanger adverte: "Este livro é uma obra de ficção inspirada livremente em eventos reais. Personagens, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático". Vindo de um autor com mais de 40 anos de carreira na imprensa, o leitor desavisado — e que não leu seu livro anterior, "Antes que eu morra", em que usava as ferramentas da reportagem a serviço da “desinformação” — embarca na narrativa buscando conexões com a realidade.
— Cascata! Eu não me baseei em nada — confessa às gargalhadas o ex-editor-chefe do GLOBO de 1991 a 1995, que em 2014, após mais de uma década na TV Globo, partiu em busca de "novos desafios na área cultural". — O spoiler dos spoilers é essa advertência. O que dá credibilidade à ficção é cercá-la de verdade.
O autor conta que tem muito orgulho de sua formação de jornalista e fala como esta experiência é útil. O novo livro nasceu com 400 páginas. Pouco antes de mandá-lo para a editora, porém, ele teve problemas no computador e perdeu o arquivo com todo seu conteúdo. Conseguiu recuperar uma versão antiga, e aproveitou para reescrever tudo em apenas 200 páginas.
— Meu apelido nas redações era Erlanger mãos de tesoura. Cortar textos é uma arte tão importante quanto escrever. E, assim, o conteúdo ficou dentro da lógica de um livro que fala que as coisas acabam rapidamente.
Erlanger não pensou só no conteúdo do livro. Idealizou o produto como um todo, pedindo, inclusive, que suas bordas fossem pintadas de preto, para remeter ao carvão. Até um projeto de capa ele elaborou, mas acabou concordando que o resultado ficou muito sombrio, o que a história está longe de ser. Gostou da capa proposta por Renata Zucchini, mas pediu para mudar um detalhe: na versão original, o personagem tinha um rifle na mão que parecia estar apontado para a cabeça:
— Achei que poderia remeter a suicídio. E sugeri trocar por uma arma mais poderosa: um livro. Ficou mais para cima. O livro não é de humor, mas não é denso.
Em "Antes que eu morra", já se valendo de seu humor cáustico, Erlanger aborda uma crise existencial individual que vira uma crise da Humanidade. O protagonsita conclui que o Homem não deu certo.
— Agora, fiz o contrário. E se o ser humano pudesse reescrever a sua vida? Mudei a história da minha vida de forma radical, como meu personagem — lembra ele, que desde agosto vive em Portugal com a mulher, Mariana, e os trigêmeos Leonardo Carolina e Gustavo, Erlanger. — Esse meu protagonista tem uma oportunidade. E passa a fazer as coisas mais doidas, como comprar uma arma para matar corruptos.
As semelhanças com seu personagem central na trama não vão muito além do movimento de mudança:
— Meu protagonista, não eu, faz uma crítica à nossa elite, à qual pertence. Não só a financeira, mas a intelectual também. Mas eu não compartilho da história de que bandido bom é bandido morto.