NOVA YORK — O Country Music Association Awards é a celebração de uma das mais duradouras formas de arte dos Estados Unidos, uma noite com shows de grandes estrelas e um tapete vermelho resplandecente com roupas formais e o ocasional chapéu de cowboy. Mas nesta quarta-feira, quando a cerimônia deste ano acontecerá em Nashville, um assunto provavelmente estará ausente: leis de armas.
LinksThousandOaksPelo segundo ano consecutivo, o CMA Awards acontece pouco depois de um ataque armado a fãs do gênero. Doze pessoas foram baleadas na noite de quarta-feira passada num salão de dança country em Thousand Oaks, Califórnia. Em outubro de 2017, 58 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas em um festival de música country em Las Vegas. Alguns que sobreviveram a Las Vegas estavam na noite de quarta em Thousand Oaks. Um deles não sobreviveu pela segunda vez.
Apesar de grande parte do setor do entretenimento nos EUA ter se inclinado abertamente para a esquerda nos últimos dois anos, com celebridades fazendo discursos políticos em vestidos de baile e black-tie, a música country adotou uma abordagem mais cautelosa e silenciosa.
— No que diz respeito à música country, não é costume fazer declarações políticas — diz Andy Albert, um compositor baseado em Nashville que escreve principalmente para artistas country.
Uma parte significativa da base de fãs de música country é formada por conservadores e a maioria dos artistas não quer aborrecê-los, concordando com eles ou não. Mas a música country está longe de ser tão politicamente homogênea como muitos imaginam. As grandes cidades do norte e do oeste são os principais mercados para essa indústria, e nos últimos anos seus fãs se tornaram mais jovens, bem como cada vez mais urbanos.
Menos política, menos machista
Na última década, a música em si tornou-se menos política e menos machista. A música country do início dos anos 2000 era muito mais masculina, especialmente após os ataques terroristas de 2001. Estrelas como Toby Keith, Trace Adkins, Montgomery Gentry e outros trouxeram uma grande força rural para o gênero, numa época em que ele se tornou mais conservador.
Na virada dos anos 2010 o tom começou a mudar, conforme os artistas masculinos — que ainda dominam a indústria, juntamente com algumas superestrelas femininas — se concentravam mais em festejar do que em discutir política.
Nos últimos anos, o gênero mudou novamente para um tipo de estrela masculina mais gentil, menos bruta: o cavalheiro. A música deixou de lado grande parte de sua masculinidade evidente, e a maioria dos artistas passou a evitar ativamente conversas políticas.
"É meio que na água, é apenas entender que nenhum desses artistas está tentando usar isso como um palanque", disse Albert sobre as músicas que ele escreve para outros músicos.
— É mais provável que as pessoas ouçam a sua música se você encontrar uma maneira de navegar pelos temas políticos sem impor uma opinião ao ouvinte. — opina Alber. — E acho que (a música) se torna mais universal quando você consegue isso.
Com os assassinatos em massa ocupando regularmente o noticiário, o controle de armas continua sendo uma das questões mais intensamente partidárias do país. Uma pesquisa da Universidade de Quinnipiac, realizada logo após o tiroteio no colégio em Parkland, na Flórida, em fevereiro, revelou que 80% dos republicanos acreditavam que a Associação Nacional de Rifles apoiava políticas "boas" para o país. Entre os democratas, o oposto: 83% acham que o grupo promoveu políticas "ruins" para os Estados Unidos.
No ano passado, a Country Music Association fez o possível para manter a política fora do programa ameaçando revogar as credenciais dos jornalistas que perguntassem sobre “a tragédia de Las Vegas, os direitos das armas, afiliações políticas ou tópicos semelhantes”. A organização recuou após uma série de críticas, inclusive de Brad Paisley, um grande astro e um dos apresentadores da noite, que disse no Twitter que as diretrizes eram "ridículas e injustas".
EmbedBradPaisleyA associação se recusou a disponibilizar seu executivo-chefe para uma entrevista sobre seus planos para a próxima cerimônia.
As estrelas country tendem a limitar suas declarações após os tiroteios a condolências para as vítimas, evitando qualquer debate sobre armas.
Mas em uma mudança notável, porém silenciosa, nos últimos dois anos a "Rolling Stone" vem registrando um afastamento de artistas em relação à NRA. Por anos a organização promoveu artistas de música country em um acordo que rendia exposição de marketing para ambos os lados. Em março, o site da NRA Country foi redesenhado e os nomes dos artistas afiliados desapareceram. (A NRA não respondeu aos pedidos de comentário.)
Declarações públicas, no entanto, continuam arriscadas para os músicos do país, especialmente aqueles com pontos de vista liberais. Até hoje, as palavras “Dixie Chicks” servem como um alerta. Em 2003, em Londres, a líder do grupo, Natalie Maines, se disse "envergonhada" pelo fato de o presidente George W. Bush ser do Texas. Após essa declaração, a banda foi boicotada em rádios country por anos.
Um pequeno grupo de músicos fez declarações sobre leis de armas, geralmente cuidadosamente calibradas. Eric Church, um defensor das armas, disse apoiar o o banimento do equipamento usado pelo atirador de Las Vegas que transforma fuzis semiautomáticos em metralhadoras. A NRA, que se opõe à maioria das novas propostas de controle de armas, apoia uma maior regulamentação nesse caso.
O músico Kane Brown lançou um álbum chamado “Experiment”, com a canção “American Bad Dream”. Brown estava no festival em Las Vegas no ano passado e se apresentou na noite do tiroteio. A letra começa lembrando como as preocupações na oitava série eram arrumar uma namorada e matar aula. "Agora você faz provas com coletes a prova de balas / Assustando pelo risco de ser baleado".
EmbedKaneBrownMas, em uma entrevista à "Rolling Stone", Brown também se esforçou para se distanciar da política.
“Antes, você não via no noticiário que um tiroteio tinha acontecido", disse. “Agora, a cada dia há um novo tiroteio e depois outro, e assim por diante. Quero dizer, parem de ficar na esquerda ou na direita, acordem e percebam que estamos em um mundo maluco e precisamos tentar consertá-lo.”
Carrie Underwood
O álbum mais recente de Carrie Underwood, “Cry Pretty”, inclui uma música chamada “The Bullet”, que critica o sofrimento humano causado pelos tiroteios, mas sem questionar por que eles acontecem. Albert, o compositor de Nashville, diz ter escrito a canção há cerca de dois anos com dois outros músicos, Marc Beeson e Allen Shamblin, depois que cinco policiais foram mortos a tiros em Dallas.
"Você pode culpar o ódio ou as armas", diz a letra. "Mas mães não devem ter de enterrar seus filhos."
EmbedVídeoCarrieUnderwood e Paisley, costumeiros co-anfitriões do CMA Awards, abordaram o tiroteio em Las Vegas durante a cerimônia do ano passado, que incluiu os rostos das vítimas no segmento “in memoriam”.
Referindo-se ao massacre, junto com outras calamidades do ano anterior, incluindo furacões e a manifestação de supremacia branca em Charlottesville, Underwood disse: “Este foi um ano marcado por tragédias impactando inúmeras vidas, incluindo tantas em nossa família de música country. Então vamos fazer o que as famílias fazem: ficaremos juntos, rezaremos juntas, vamos chorar juntos e cantar juntos também."