NOVA YORK — Há alguns meses, “The Walking Dead” vem destacando a despedida de seu herói central, Rick Grimes, rompendo a tradição de manter bem guardados os segredos de suas tramas. Desde o início da temporada os fãs já sabiam não só que o ator Andrew Lincoln deixaria a série, como também em que episódio isso aconteceria (ATENÇÃO: O texto traz spoilers do último episódio).
O momento chegou neste domingo, num episódio retrospectivo e lúgubre combinando com o tom do marketing em torno da saída de Lincoln. O episódio levou Rick através de uma série de encontros febris em sonho com velhos amigos mortos como Shane (Jon Bernthal) e Hershel (Scott Wilson), antes de marchar em direção ao que parecia ser um heróico sacrifício final.
Links The Walking DeadAté o final, quando ele chegou em uma margem do rio, muito vivo, e foi resgatado por um helicóptero. A história, em seguida, saltou seis anos no tempo para encontrar os companheiros de Rick se virando sem ele, com sua jovem filha, Judith, assumindo o manto (e o chapéu) da família Grimes no combate aos zumbis.
Embora o futuro de Rick pareça incerto, não será assim por muito tempo: "The Walking Dead" vai retornar como uma trilogia de filmes de longa-metragem a ser exibida na AMC, com a primeira produção prevista para 2019.
— Todos acham que sou um sociopata por não estar desmoronando em todas as entrevistas — disse Lincoln durante um almoço em Nova York, em outubro. — Mas a verdade é que eu sei que há algo para acontecer no ano que vem.
Ao contrário da série, os longa-metragens não serão adaptações diretas dos quadrinhos de “The Walking Dead”. Eles contarão uma história original de Rick, disse Scott Gimple, diretor de conteúdo do universo de “Walking Dead”, que está escrevendo o primeiro filme. "Eles não serão apenas episódios mais longos", garante. (O autor dos quadrinhos e produtor executivo da série, Robert Kirkman, está muito envolvido, acrescenta.)
HQs, TV, games, vinhos, cinema
O salto para o cinema representa a mais recente expansão de plataforma para uma franquia que, desde a sua chegada à TV em 2010, gerou outra série (“Fear the Walking Dead”), um programa complementar de fãs (“Talking Dead”), videogames, conferências, cruzeiros, uma linha de vinhos e um serviço de assinatura, entre outros produtos.
Ele também representa a última isca de um programa que já irritou os fãs com mortes falsas (Glenn, na 6ª temporada) e um gancho que fez os espectadores esperarem por meses para descobrir quais de seus personagens favoritos tinha, de fato, sido morto.
A AMC defende a forte campanha de marketing em torno da saída de Rick argumentando que, "se você fosse um fã do programa, queríamos que soubesse que esta era sua oportunidade de ver, ao vivo, a saída dele da série", disse David Madden, diretor de programação. "Queríamos honrar esse momento e, ao mesmo tempo, dizer às pessoas o que viria a seguir."
Mas, com base na reação aos primeiros truques narrativos do programa, alguns fãs certamente se sentirão manipulados ou enganados.
— Espero que as pessoas não se sintam assim, mas a internet é um lugar vasto, então imagino que acontecerá com alguns — disse Gimple.
Lincoln preferia que sua partida fosse mantida em segredo até o momento final. Mas a ampla promoção proporcionou uma despedida épica para o protagonista de um dos programas mais populares da televisão americana. Antes de “The Walking Dead” estrear em 2010, o ator britânico era pouco conhecido. Mas ele trouxe notável resistência física e intensidade emocional para o atormentado herói de ação, por vezes sedento e idealista, e perpetuamente suado combatente de zumbis, que superava perda após perda num inferno pós-apocalíptico.
Eu lamento a partida de Glenn. Porque Steven Yeun foi uma parte muito importante do ritmo nos meus anos. De certa forma, era como estar numa boy band, você só tem um ao outro como referência. E então eles começaram a tirar as pessoas de você.Pessoalmente, Lincoln lembra mais seu charmoso e doce personagem de "Simplesmente amor" — um sujeito afável e de conversa fácil, que descarta seu status como o centro de uma das maiores franquias da cultura pop do mundo.
Durante um almoço em uma animada trattoria novaiorquina e em uma entrevista por telefone, Lincoln discutiu seu tempo na série, seus pontos da trama menos favoritos e por que, apesar de todo o sangue, balas e brutalidade, “The Walking Dead” é um história de esperança. Estes são trechos editados das conversas.
O que você achou da partida de Rick?
Quando Angela [Kang, a showrunner] lançou a ideia, ela disse que estávamos osciladondo entre anti-herói e herói pelos últimos nove anos, e que deveríamos terminar com um ato heróico. Eu disse: “Parece um ótimo plano. Estou dentro."
Você vai se sentir aliviado de poder parar de fingir que realmente está abandonando a série em definitivo?
Foi um compromisso porque eu não queria ser desonesto com os fãs. Mas, é claro, também não queria entregar a história. Mas sim, estou muito aliviado por poder falar sobre isso agora.
Eu acho que a maioria dos fãs acreditava que você seria morto, como os outros que deixaram o programa. Você está preocupado que alguns possam se sentir enganados?
Foi uma preocupação porque começamos a falar e as pessoas estavam antecipando uma morte, e nós não entregamos isso a elas. Você não pode agradar a todo mundo o tempo todo. É por isso que eu evito analisar situações como essa. Senão eu não conseguiria levantar da cama de manhã.
Houve o caso do Glenn e depois a espectativa sobre a vítima de Negan...
Eu posso dizer com certeza que não vou voltar à série de TV.
O que pode falar sobre os filmes?
Nós conversamos sobre "Os imperdoáveis", o filme de Clint Eastwood, que eu admiro muito. Existe algo em Eastwood, como ele é um pistoleiro, uma espécie de herói americano, rolando na lama com porcos no início do filme. Você sabe do que ele é capaz. E eu considerei interessante a ideia de um personagem que o público conhece e com o qual conviveu — e que oscilou entre o psicopata e o pai de família por nove anos — começando em um lugar completamente diferente.
Eu quero saber por que continuamos vendo helicópteros voando por aí. O que está acontecendo? O que os adultos têm feito enquanto estamos mexendo na terra?
Por adultos você quer dizer o governo ou algo assim?
Não vou dizer nada além disso. Não quero entregar nada. Bem, eu não sei a história, na verdade, então nem poderia entregar nada.
Antes de “The Walking Dead” você era conhecido por personagens mais civilizados. O que te atraiu em interpretar um cáuboi enfrentando zumbis?
Eu cresci amando filmes americanos, e há um estilo de atuação norte-americano que não consigo identificar precisamente, mas eu admiro. É um naturalismo intensificado. É algo que eu observei em atores muito bons - você não sabe o que eles estão prestes a fazer ou dizer.
Você sabia no que estava se metendo? Eu não consigo pensar em outro ator de TV que tenha sido tão maltratado fisicamente como você.
Só de ficar naquele calor por 45 minutos. É loucura. Quer dizer, eu li o que estava no rótulo: um cara em um apocalipse zumbi, perdendo todos os seus amigos e familiares. Você sabe que não vai ser um passeio no parque. Mas acho que o parque poderia ter sido menos hostil.
Seu colegas falaram como você se aquecia para o personagem antes das cenas, gritando e rolando no chão. O que era isso?
Eu sei lá. O que você faz antes de escrever um artigo?
Eu não rolo no chão!
Bem, você devia tentar! Pode até gostar (risos). Se há 200 pessoas me observando, enquanto eu explodo logo depois da minha esposa ser devorada por um zumbi, eu posso deixar cair uma lágrima, numa cena sexy e lindamente filmada. Ou posso tentar ir a um lugar diferente. E a minha forma de fazer isso, pelo jeito, é com esses sons estranhos. Não importa o que é preciso para você chegar lá. Se eu tiver baba saindo da minha boca, é assim que vai ser.
Você falou sobre o medo nos primeiros dias. Como superou isso?
Acho que a própria história ajudou. Você tinha um ator aterrorizado, acordando num apocalipse zumbi. Eu tinha acabado de ter um filho, não conseguia dormir, então era perfeito para isso. Darabont (o showrunner original) foi essencial ao confiar que eu estava fazendo do jeito certo. Tínhamos um relacionamento muito, muito próximo. Eu o admiro profundamente, é um grando amigo. O DNA da série era dele, e continua a ser, na verdade.
Foi decepcionante quando ele saiu? (Darabont foi demitido antes da segunda temporada e processou a AMC pelos lucros da série)
Sim, foi a maior dificuldade da minha vida profissional. E fiz uma promessa na época, porque é uma situação que envolve ele, de que nunca comentaria o assunto. Mas foi difícil sim, e você pode imaginar como é o sujeito que te abriu espaço não ser mais o capitão do barco. Foi muito estranho.
Houve um período de ajuste?
Acho que ainda estamos nos ajustando. Nove anos. Mas Glen Mazzara chegou e fez um trabalho formidável. E então Scott Gimple chegou e fez um trabalho formidável. E agora temos Angela, e o que ela fez num tempo relativamente limitado é brilhante. Eu deixei tudo melhor do que estava quando chegamos.
Houve alguma trama ou virada de roteiro com a qual você não concordou?
Eu lamento a partida de Glenn. Porque Steven Yeun foi uma parte muito importante do ritmo nos meus anos. De certa forma, era como estar numa boy band, você só tem um ao outro como referência. E então eles começaram a tirar as pessoas de você.
O que você achou da cena da morte de Glenn, com Negan espancando-o com o taco de beisebol até o olho saltar da órbita?
Eu não gosto da forma como foi feito. Nós conseguimos aterrorizar as pessoas por 100 anos no cinema sem precisar mostrar o olho (saltando). Quando isso acontece, diminui o que estamos tentando fazer, que na minha cabeça é um drama familiar ambientado no inferno. Não é um filme B de terror violento.
Mas a violência é com frequência é extrema.
De vez em quando sim, com os zumbis e as sequências de ação. Não diminuo isso. É parte da emoção da série. Mas quando estamos lidando com a perda de alguém — e um tipo de morte muito brutal e humana —, acho que é o gosto de cada um. Pelo meu gosto seria mais perturbador manter a câmera no rosto de Maggie (a esposa de Glenn, interpretada por Lauren Cohan). E talvez seja por isso que quero dirigir, porque quero fazer o que tenho filmado na minha cabeça.
Você considera “The Walking Dead” uma série otimista?
Isso é o que eu estava buscando. Se estamos falando sobre a capacidade de processar e superar o luto, ajudar uns aos outros e nos unirmos através de uma experiência traumática compartilhada, então sim, é. E também é uma história sobre pessoas que não têm nada em comum, encontrando algo em comum
Há uma outra perspectiva, que seria sobre um grupo de pessoas se reunindo para defender seu estilo de vida contra invasores, mortos-vivos e todo o resto.
Acho que cabe a cada um interpretar como quiser. Na minha visão, pelo mundo em que vivemos (na série), trata-se de um ambiente hostil que as pessoas estão tentando conquistar. O que você acha? Você vê isso como isolacionista? Ou como uma história de família, na qual estamos todos juntos quando superamos as diferenças?
Sempre admirei a diversidade do elenco e o que isso sugere sobre a conexão com diferentes origens. Ao mesmo tempo, há o facciosismo e as implicações metafóricas dos zumbis. Suspeito que para pessoas que pensam naqueles com quem discordam, ou que vivem em outro lugar, como uma espécie de inimigo desumano, a série transmite a emoção visceral de observar pessoas dizimando o Outro.
Você quer dizer que os zumbis representam ideias diferentes? É essa a metáfora?
Ou grupos diferentes.
Eu nunca vi assim. Eu nunca, nunca pensei nos mortos-vivos assim. Quer dizer, isso pelo fato de que sou um matador de zumbis por profissão. Eu não penso em metáforas quando estou matando zumbis. Mas isso é absolutamente sua prerrogativa.
Eu vejo tudo de forma otimista. É como o Rick Grimes. Ele tem o sentimento da luta dentro de si e está sempre se levantando do chão. Se não assim, ele não acreditaria que há esperança de um futuro melhor.
E, no fim, vou fazer o máximo para que seja essa a história que estamos contando. Eu não quero passar 15 anos da minha vida e dizer, putz, a vida é bem ruim. Estamos vivos, cara. E enquanto estamos aqui, temos uma chance. É assim que eu penso. Eu definitivamente sou dessa opinião e gosto de pensar que o Sr. Grimes também é.