NOVA YORK — Monstros do cinema há muito tempo provaram ser material fértil para os atores. Boris Karloff tornou-se uma das estrelas de cinema mais populares dos anos 1930, quando sua interpretação de Frankenstein provocou simpatia e horror. O tempo cômico de Robert Englund como Freddy Krueger carregou a série "Hora do pesadelo" ao longo de oito filmes. Bill Skarsgard gerou até mesmo rumores de indicação ao Oscar por sua imprevisível interpretação do palhaço Pennywise na refilmagem de "It", no ano passado.
Comparado a eles, Michael Myers, o assassino mascarado dos filmes de “Halloween”, não é exatamente um papel interessante. Ele fica em silêncio e não passa emoções — apenas espreita e mata. No filme original de 1978, o personagem foi descrito pelo diretor John Carpenter como "a Forma". Como você interpreta algo chamado A Forma? A resposta é inesperadamente complicada.
Oito atores passaram pelo personagem ao longo de dez filmes — apenas "Halloween III: Temporada da bruxa" não conta com Michael. John Carpenter, que dirigiu e escreveu, com Debra Hill, o original, descreveu o personagem durante uma recente entrevista por telefone: “Ele não era humano e não era sobrenatural. Ele estava em algum lugar no meio do caminho. Ele era a Forma. Poderia estar em qualquer lugar à noite. Poderia estar nas sombras. Ele via você. E mesmo que ele se movesse como um ser humano, havia algo nele... diferente".
Trailer de 'Halloween'Quando estava escalando a Forma, Carpenter entregou uma máscara — um rosto do capitão Kirk pintado de branco — a Nick Castle, um amigo da Universidade da Califórnia. "Nick tinha uma certa graça no andar, em sua marcha", disse Carpenter. "Eu via seu corpo e a forma como ele se movia e disse: 'Esse é o Michael Myers'".
Um cineasta aspirante, Castle aceitou o papel ao perceber que estar no set faria com que ele entendesse melhor o processo de produção de filmes. Mas precisou de muita direção quando as filmagens começaram.
— Eu me lembro claramente da primeira vez à frente da câmera — diz Castle. — Eu andei até John e disse: 'Ei, esta é a primeira vez que vamos ver a Forma. O que você quer que eu faça?' Ele respondeu: 'Apenas vá até lá e ande na minha direção'.
Ele descreve Carpenter como o homem que o manipulava como uma marionete.
— Ele dizia: 'Ande mais rápido. Ande mais devagar. Incline a cabeça. A performance é dele, de certa maneira.
As novas gerações
Links HalloweenQuando a produção de “Halloween II” (1981) bateu com a estreia na direção de Castle, “Jogo assassino”, o papel foi entregue a uma série de atores e dublês, cada um deles adicionando seus próprios detalhes a Michael Myers.
Don Shanks, o vilão em "Halloween 5: A vingança de Michael Myers" (1989), tinha experiência com personagens silenciosos. Um veterano do teatro que havia estudado mímica e dança na faculdade, Shanks teve sua grande chance em "A vida e os tempos de Grizzly Adams", quando foi escalado como o amigo nativo americano do lenhador de fronteira.
— Muitas vezes, eu não tinha diálogo ou falava em um dialeto indígena — disse Shanks. — Eu tinha que ouvir e ver o que estava acontecendo.
Para os testes de elenco de “Halloween 5”, Shanks escutou com atenção o diretor Dominique Othenin-Girard, que apresentou sua visão de Micahel Myers e pediu que ele "andasse como madeira através da água". Shanks andou a passos largos como se ele fosse "rígido, mas capaz de fluir, onde havia resistência mas você ainda era capaz de se mover." E conseguiu o papel.
Chris Durand não tinha visto o desempenho de Shanks nem mesmo o “Halloween” original antes de pegar a faca para fazer “Halloween H20”, de 1998. Mas ele sabia que o papel exigia mais do que trabalho de dublê.
— Se você não trouxer algo a mais, será apenas um cara com uma máscara — avalia. Para Durand, a inspiração veio de um grande felino. — Se você já viu um tigre travar os olhos em sua presa, é muito intenso e ele tem nesse momento um foco total. Eu inclinava um pouco minha cabeça para baixo e prendia minha atenção a quem quer que fosse atacar. Eu até criei um grunhido baixo e gutural que um cara de som pegou.
Tyler Mane foi Michael Myers nas duas versões de Rob Zombie para “Halloween”, em 2007 e 2009. Mane tinha mais material para trabalhar do que seus antecessores. Os filmes de Zombie revelaram uma história de origem para o vilão, tornando o personagem menos uma Forma e mais uma pessoa totalmente formada.
Mane também teve o benefício de poder usar seus olhos para transmitir emoção, porque as máscaras nessas versões revelavam mais de seu rosto. Na preparação para o papel, o ator pesquisou assassinos seriais e usou sua própria experiência como lutador profissional por 11 anos.
— Todo esse treinamento me ajudou — diz ele sobre seu tempo no ringue. — É o movimento do corpo, a linguagem corporal, o uso dos olhos e o modo como você se comporta.
Com dois metros de altura e pesando 115 kg, ele também usou o corpo em benefício próprio.
— Rob queria torná-lo mais agressivo e intenso e foi assim que fui contratado.
Como Durand em “Halloween H20”, o diretor do último “Halloween”, David Gordon Green, imaginou Michael Myers “Como algum tipo de felino em estado selvagem, sempre observando e consciente e movendo a cabeça a frente de seu corpo”.
Green não insistiu muito em aspectos de Michael que incomodavam os fãs, como de que forma ele aprendeu a dirigir tendo sido institucionalizado aos 6 anos de idade.
— Acontece muita coisa fora da câmera que você compra ou não, mas eu simplesmente me rendo à mística de Michael — diz.
Além de trazer Castle de volta para uma participação especial, Green escolheu James Jude Courtney como Michael Myers.
— Havia uma sensibilidade bonita nele — afirma o diretor. — Jim também havia estudado muito o filme original e o trabalho de Nick Castle.
Courtney, um ator e dublê de 61 anos, disse que absorveu o desempenho de Castle após a assistir ao filme original. O momento eureka dele veio quando Michael Myers atravessou um quintal.
— Naquele momento, capturei a essência da Forma. Foi uma coisa vibrante. — diz o ator, que apostou em uma abordagem zen para entrar no personagem. — Eu aceito que o universo é um grande campo de informações e, portanto, a informação que foi criada quando John Carpenter e Debra Hill escreveram a Forma e quando Nick Castle habitou intuitivamente a Forma existe no universo. Acabei de criar o espaço e baixei as informações.
Durante os testes de elenco e, depois, no set, ele manteve a mesma atitude.
— Eu respirava, me abria e o personagem entrava. — Depois, quando a cena terminava ele — Expirava. Deixava sair, então eu não carregava aquilo comigo, porque era muito, muito profundo. Eu era essencialmente um ser diferente quando estava ligado. Entre as tomadas, ficava apenas de pé, imóvel, num canto. Eu não falava com ninguém.
Castle, por outro lado, não mudou sua abordagem nem um pouco.
— Eu tinha tanto planejamento prévio no novo (filme) quanto tive no antigo — relembra. — Acho que sempre desaponto os fãs quando conto a história porque eles querem pensar que eu fiz algo profundo e misterioso. Mas realmente estava colocando uma máscara e andando.